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O poder da China

Anne Applebaum

29/09/2010 00h05

Em abril, a Marinha chinesa mobilizou repentinamente dez navios de guerra próximos à costa japonesa e enviou helicópteros para sobrevoar navios do país vizinho. Em julho, o ministro chinês das Relações Exteriores afirmou, indignado, o direito de seu país sobre as águas internacionais no Mar do Sul da China, juntamente com algumas ilhas reivindicada por outros. No começo deste mês, um barco pesqueiro chinês colidiu com dois navios da guarda-costeira japonesa, possivelmente de propósito, levando a uma prisão por parte do Japão e uma reação furiosa de Pequim.

Junte alguns acessos retóricos – o diplomata chinês da ONU que algumas semanas atrás disse não gostar de americanos – e de fato parece que as agressões militares, territoriais e diplomáticas chinesas vêm aumentando. É um crescimento surpreendente, em grande parte porque, do ponto de vista da China, isso não faz muito sentido. Por que diabos a China deveria gritar, assediar e provocar seus vizinhos? Na década passada, a China se manteve quieta, discreta, e se comportava mais como uma multinacional do que uma superpotência mundial – e como resultado, acumulou uma enorme influência política.

Observe o mundo - os frutos desse sucesso estão por toda parte. Olhe para o Afeganistão, onde as tropas dos Estados Unidos vêm lutando por quase uma década, onde bilhões de dólares de auxílio americano foram gastos – e onde uma empresa chinesa ganhou os direitos de explorar uma das maiores jazidas de cobre do mundo. Ainda que as tropas americanas não protejam os mineiros diretamente, as tropas afegãs, treinadas e armadas pelos americanos, os protegem. E apesar de a exploração da mina ainda estar em seus estágios iniciais, os empresários e engenheiros chineses – usando roupas civis, oferecendo empregos – já são mais populares entre os locais do que o exército dos EUA, que carrega armas e fala em segurança. Os chineses pagaram caro por seus direitos de minerar o cobre e assumiram um grande risco. Mas se compensar, talvez nossa guerra contra o Taleban seja um dia lembrada como a guerra que pavimentou o caminho para a dominação chinesa do Afeganistão.

Em outras palavras, os Estados Unidos combatem, enquanto a China fecha negócios, e não só no Afeganistão. No Iraque, onde as tropas americanas derrubaram um ditador e ainda estão lutando contra a insurgência, companhias petrolíferas chinesas compraram partes maiores do que as americanas. No Paquistão, onde bilhões do auxílio militar dos EUA ajuda o governo a manter o Taleban à distância, a China montou uma área de livre comércio e está investindo pesado em energia e portos.

A China achou lucrativo ficar de fora dos debates internacionais também. Os americanos, junto com outros europeus ocidentais, estão despejando enormes quantias de dinheiro público e privado em energia solar e eólica, esperando se livrar dos combustíveis fósseis e prevenir a mudança climática. A China, em compensação, constrói uma nova fábrica movida a carvão a cada 10 dias. Enquanto produz cada vez mais gases de efeito estufa no Oriente, a China sabe bem usar os subsídios do governo no Ocidente: três empresas chinesas constam entre os 10 maiores produtores de turbinas eólicas do mundo.

Os chineses também cercaram discretamente o mercado de terras-raras, metais de nomes adoráveis (promécio, itérbio) vitais para a produção de celulares, lasers e computadores – sem falar em carros híbridos, painéis solares e turbinas eólicas. Apesar de a China não controlar as reservas mundiais desses elementos, sendo que alguns deles nem são tão raros assim, minerá-los é um trabalho sujo, que requer muita mão de obra e é ideal para ser explorado em um país com baixos salários e padrões ambientais mais baixos ainda. Ninguém mais consegue competir, e é por isso que a China agora controla 99% do suprimento mundial de alguns desses elementos.

É claro, se eles estiverem inclinados a isso, seu monopólio poderia ser usado para elevar os preços de painéis solares e celulares – e não só. Na semana passada, os japoneses revelaram que a China parou de despachar terras-raras para o Japão como retaliação pela detenção daquele pescador chinês pelos japoneses. Agora parece que o problema nos fornecimentos teve a ver com um feriado chinês – ou pelo menos é o que os chineses afirmam - mas os mercados e os especialistas soaram um alarme atrasado mesmo assim.

O que me leva de volta ao meu argumento inicial: por que diabos os chineses estão fazendo jogos militares com o Japão, ameaçando o sudeste asiático, ou simplesmente entrando na política? Quando eles ficam quietos, nós os ignoramos. Quando ameaçam fazer boicotes ou usam linguagem nacionalista, ficamos com medo e reagimos. Ainda não entendemos que o mais assustador na China não é o tamanho de sua Marinha ou a arrogância de seus diplomatas. O mais assustador é o poder que a China já acumulou sem nunca ter mobilizado seus militares ou diplomatas.