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Alerta dos EUA de possibilidade de ataque terrorista é genérico e sem sentido

Após dois alertas falsos de bomba, soldados franceses fazem patrulha na Torre Eiffel, em Paris - Thomas Coex/AFP
Após dois alertas falsos de bomba, soldados franceses fazem patrulha na Torre Eiffel, em Paris Imagem: Thomas Coex/AFP

Anne Applebaum

07/10/2010 00h01

"O Departamento de Estado alerta os cidadãos dos Estados Unidos para a possibilidade de ataques terroristas na Europa... Os terroristas poderão usar vários meios e armas e atacar os sistemas de transporte público e outras infraestruturas turísticas. Os terroristas escolheram como alvo e atacarão sistemas de metrô e de trem, bem como os serviços de aviação e marítimos. Os cidadãos dos Estados Unidos devem tomar todas as precauções no sentido de prestarem atenção ao ambiente à sua volta e de adotarem medidas de segurança apropriadas para se protegerem quando estiverem viajando”.

 

Falando como uma norte-americana que reside na Europa, eu me sinto obrigada a dizer o que pessoas como eu fazem ao ouvir alertas como esse que foi divulgado no último domingo pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos: Nós não fazemos nada.

E não fazemos nada, acima de tudo, porque não há nada que possamos fazer. A menos que o Departamento de Estado seja mais específico – por exemplo, “não vá à Torre Eiffel amanhã” -, informações de natureza tão genérica são completamente sem sentido. A não ser que estejamos nos referindo a armas de destruição em massa, a probabilidade de que um indivíduo seja atropelado ao atravessar a rua ainda é maior do que a de que ele esteja em um avião ou vagão de metrô que seja alvo de um ataque terrorista. Além do mais, ninguém que vive ou trabalha em uma grande cidade europeia (ou mesmo em uma cidade pequena) é capaz de evitar indefinidamente se aproximar de estruturas “oficiais e privadas” vinculadas a interesses dos Estados Unidos – um hotel Hilton e uma loja de computadores Apple, por exemplo –, isso para não mencionar metrôs, trens, aviões, embarcações e outras modalidades de transporte público.

Segundo, nós não fazemos nada porque se a linguagem utilizada for assim tão vaga, ninguém pode ter de fato certeza do motivo pelo qual o alerta foi divulgado. Obviamente, se o governo dos EUA sabe quem são os terroristas e o que estes atacarão, ele os deterá e prenderá. Se o governo não puder se referir a algo mais preciso do que “infraestruturas turísticas” e “sistemas de transporte público”, ele de fato não sabe de nada.

E, neste caso, por que eles estão nos informando a respeito disso? Como o alerta foi manchete dos noticiários televisivos matinais, há muita especulação. Até o momento, eu escutei pelo menos uma teoria da conspiração: algumas pessoas acreditam que os EUA fizeram o alerta para assustar os europeus e obrigá-los a cooperar mais na área de inteligência, e em especial para persuadir a União Europeia a concordar com um novo sistema de troca de informações sobre passageiros de companhias aéreas.

Segundo outros rumores, a CIA acreditaria que a Al Qaeda, ou um dos grupos aliados àquela organização terrorista, estaria planejando ataques simultâneos contra hotéis em grandes cidades europeias, de uma forma semelhante aos ataques perpetrados contra o Hotel Taj Mahal, em Mumbai. Essa informação, segundo os rumores, teria sido obtida durante um interrogatório realizado no verão passado.

Mas mesmo se as autoridades da comunidade de inteligência dos EUA contarem com informações assim tão sólidas – e eu repito que não tenho nenhuma evidência disso –, ainda não faria sentido que o Departamento de Estado nos dissesse para ficarmos alertas quando estivermos nas proximidades de qualquer objeto norte-americano. Porque, mesmo que façamos isso hoje, não o faremos amanhã. Esse tipo de coisa já ocorreu antes: em 2004, os funcionários do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, em Washington D.C., chegaram ao trabalho para descobrir que haviam se transformado em um objeto súbito do interesse da mídia: mapas e croquis detalhados dos seus escritórios haviam sido encontrados em um laptop no Afeganistão, e, como consequência, foi divulgado um alerta. Mas é claro que não é algo realista permanecer em estado de alerta por tempo indefinido em um prédio que é utilizado por centenas de pessoas todos os dias, sendo que muitas delas têm uma aparência estrangeira suspeita. E é claro que a recomendação foi rapidamente esquecida e todos retornaram ao trabalho.

Na verdade, as únicas pessoas que podem se beneficiar com esses alertas são as autoridades responsáveis por divulgá-los. Se algo acontecer, elas estarão protegidas contra alegações de displicência. Elas nos advertiram, nos avisaram antecipadamente, e não serão criticadas ou obrigadas a renunciar aos seus cargos. E, se nada acontecer, todos acabarão se esquecendo do fato.

No entanto, nós não nos esquecemos. No decorrer do tempo, esses alertas enigmáticos acabam fazendo o trabalho da Al Qaeda, ao assustarem as pessoas sem motivo. Sem precisar erguer um dedo sequer, Osama Bin Laden acaba com a nossa sensação de segurança e bem estar. Ao mesmo tempo, esses alertas fazem com que o governo dos EUA fique naquela situação do garoto que deu um falso alarme sobre a presença de um lobo. Quanto mais alertas de teor genéricos são divulgados, menor a probabilidade de que nós demos atenção a eles. Nós talvez estejamos perturbados ou nervosos, mas não sabemos o que fazer. Portanto, não fazemos nada – e desejamos também que nada nos tivesse sido dito.