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Hungria envereda pelo caminho errado

Anne Applebaum

29/12/2010 00h01

Na semana passada, escrevi sobre o resultado das “eleições” em Belarus. Como não conseguiu atingir a maioria, o presidente Alexander Lukashenko agrediu os outros candidatos, prendeu jornalistas, e falsificou resultados para tomar o poder. A transição de Belarus do comunismo para a democracia não falhou, simplesmente; ela nunca aconteceu.

Nesta semana, estou escrevendo sobre o resultado das eleições na Hungria, um país diferente de Belarus em quase todos os aspectos. A Hungria é membro da Otan e da União Europeia, um país com partidos políticos ativos e um histórico de 20 anos de eleições livres. Em todos os sentidos que de fato importam, a transição da Hungria do comunismo para a democracia tem sido um sucesso absoluto.

Contudo, nos últimos meses, a Hungria deu à Europa outro exemplo de quão frágil pode ser a democracia– mesmo em um lugar onde ela funciona. Se Belarus está amaldiçoada com um líder que não é popular o suficiente, a Hungria agora está amaldiçoada com um líder que é popular demais – ou que pelo menos tem uma maioria ampla demais – e pode mudar as leis para se manter no poder sem nenhuma violência.

De fato, quando os autores da Constituição dos Estados Unidos se preocuparam com a “tirania da maioria”, eles poderiam ter em mente Viktor Orbán, o primeiro-ministro húngaro. Orbán não é nenhum canalha. Ele é um ex-ativista anticomunista que já havia sido primeiro-ministro, e seu partido de centro-direita, o Fidesz, controla dois terços do parlamento húngaro por um bom motivo. Nos oito anos anteriores, o país foi dirigido por um dos governos mais incompetentes da Europa. Os socialistas da Hungria contraíram dívidas, evitaram reformas, e esconderam dinheiro em contas bancárias no exterior. Em um momento o ex-premiê socialista contou a colegas que havia “mentido” aos eleitores e que somente uma “providência divina, a abundância de dinheiro na economia mundial, e centenas de truques” mantiveram o país solvente durante seus anos na função. Depois que uma gravação desse discurso foi divulgada, houve tumultos em Budapeste. Em abril, os eleitores da Hungria o tiraram do poder.

Mas a vitória não era suficiente para Orbán, que usou seus anos fora do poder para tramar sua vingança contra os jornalistas que não o apoiavam, contra formadores de opinião que não votaram nele, e acima de tudo, contra seus opositores corruptos e incompetentes. Desde que assumiu a função há menos de um ano, ele nomeou um conselho para reescrever a Constituição, privou de fundos o órgão de auditoria nacional, e tirou poderes da Suprema Corte.

Mais recentemente, seu parlamento aprovou um conjunto de leis que controlam a mídia. É difícil dizer se elas funcionarão, considerando a forma vaga como foram escritas, mas é exatamente essa a questão: um conselho de mídia novo, dirigido pelo Estado, composto inteiramente de aliados de Fidesz, agora tem o direito de impor multas de até US$ 1 milhão para um jornalismo que ele considere “desequilibrado”, seja lá o que isso signifique. O conselho também tem a tarefa de proteger a “dignidade humana”, seja lá o que isso signifique. A lei parece procurar controlar não somente a mídia húngara, mas também a mídia disponível aos húngaros na internet ou em qualquer outro lugar – uma tarefa impossível, como um grupo de observadores apontou, mas que requererá a criação de um sistema maciço de vigilância e controle de qualquer forma. Há até mesmo um limite imposto pelo Estado sobre “notícias relacionadas a crimes”, que não podem ocupar mais do que 20% do tempo de transmissão – embora a lei não defina “crime” ou estabeleça se ele inclui corrupção governamental.

Orbán parece imune a críticas estrangeiras sobre essa lei espantosamente ruim, possivelmente porque já ouviu muitas delas no passado. Estive em Budapeste no começo deste mês – ganhei um prêmio do excelente museu da Hungria de história totalitarista – e ouvi muitas queixas sobre uma cobertura pouco lisonjeira da Hungria na mídia internacional. O que os apoiadores de Fidesz odeiam são histórias que usam indiscriminadamente a palavra “fascismo”, bem como aquelas (geralmente na imprensa alemã, que adora esse tipo de coisa) que trazem fotografias de homens de bigode em uniformes extravagantes, agitando a bandeira nacional – como se todos os húngaros fossem assim.

Entendo o que eles querem dizer. Na verdade, o verdadeiro problema do governo não é o fascismo, mas seu desprezo irrestrito pela sua “elite liberal” e sua “mídia dominante”. Esse problema não é só da Hungria. Imagino que muitos políticos americanos adorariam punir jornalistas “desequilibrados” que se opusessem à “dignidade humana”. Mas Orbán deveria saber. Os instintos de querer controlar o que as pessoas devem ouvir, de monitorar o que elas escrevem – esses são instintos da velha esquerda nessa parte do mundo, não da nova direita. Um amigo, que agora foi suspenso de seu emprego na rádio nacional húngara por ser contra a lei da imprensa, diz que o clima gélido em uma recente reunião editorial era como o dos “ anos 1950 [stalinistas]” – com a diferença, é claro, de que era engraçado, e não assustador, e de que ninguém foi torturado depois. Orbán cresceu em um Estado de um partido só. Seu senso de história deveria impedir seu partido de construir outro.