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Teoria tosca explica o julgamento do barão do petróleo russo Mikhail Khodorkovsky

Moradores de Moscou, na Rússia, seguram fotos de Mikhail Khodorkovsky durante protesto em favor do produtor de petróleo acusado de fraude no governo Putin  - Sergei Karpukhin/Reuters
Moradores de Moscou, na Rússia, seguram fotos de Mikhail Khodorkovsky durante protesto em favor do produtor de petróleo acusado de fraude no governo Putin Imagem: Sergei Karpukhin/Reuters

Anne Applebaum

05/01/2011 00h01

O juiz já tinha adiado o veredicto sem nenhuma explicação. (“A corte não se explica”, disse um porta-voz). Para lê-lo, ele proibiu a presença de jornalistas e da família do réu no tribunal. Ninguém deve ter se surpreendido, portanto, quando Mikhail Khodorkovsky –barão do petróleo russo que desafiou o Kremlin- recebeu mais seis anos de prisão na semana passada, além dos oito que já cumpriu. Desta vez, foi condenado por “roubar” uma quantidade impossível de petróleo –o mesmo que já tinha sido acusado de vender sem pagar impostos.

De fato, ninguém pretendeu que o veredicto de Khodorkovsky fosse algo além de uma declaração política, mais um gesto de uma série que o governo russo vem fazendo nas últimas semanas para seu próprio público e para o resto do mundo. O bloqueio das investigações de corrupção; as expressões de apoio para as “eleições” brutais e violentas na vizinha Belarus; as mortes de jornalistas, todas essas coisas pareciam designadas a contradizer a linguagem distintamente mais amigável e reformista que o presidente russo Dmitri Medvedev usava até recentemente. Há meros dois anos, Medvedev chegou a criticar a cultura de “niilismo legal” da Rússia –que alguns interpretaram como uma referência ao caso de Khodorkovsky.

Por que a mudança de tom? Por que agora? Surgiram muitas teorias complexas para tentar explicar. Como estamos falando da Rússia, nenhuma pode ser provada. Mas talvez a explicação seja muito simples: o petróleo voltou a US$ 90 por barril –e os preços estão subindo. Se for esta a razão, não há nada de novo. De fato, se alguém colocar em um gráfico o aumento e a queda das reformas soviéticas e russas, tanto internas quanto externas, nos últimos 40 anos, verá como acompanha com precisão impressionante a subida e a descida no preço internacional de petróleo.

Para melhor visualizar este ponto, vamos começar pelo começo: nos anos 70, o preço do petróleo começou a subir significativamente, junto com a resistência à mudança da então União Soviética. A década anterior (com os preços de petróleo entre US$ 2 e US$ 3 por barril) tinha sido de fluxo e experimentação. Mas após a Opep pressionar os preços nos anos 70, a receita do petróleo subiu –e a Urss entrou em um período de “estagnação” interna e agressão externa. O líder soviético Leonid Brezhnev investiu pesadamente nas forças armadas, interrompeu as reformas internas e, em 1979 (quando o petróleo estava a US$ 25 por barril), invadiu o Afeganistão.

Brezhnev eventualmente foi seguido por Yuri Andropov, que teve a boa sorte de administrar a Urss quando os preços do petróleo ainda estavam altos. (Em sua morte, em 1984, a média de preço era de US$ 28 por barril.) Assim, Andropov conseguiu custear tanto uma repressão interna aos dissidentes quanto um relacionamento tenso com o Ocidente. Mas Andropov foi seguido por Mikhail Gorbachev, que assumiu justo quando os preços mergulharam. Em 1986 (com o preço em US$ 14), ele lançou seu programa de reformas, perestroika e glasnost. Em 1989 (quando o preço do barril ainda estava em US$ 18), ele permitiu que o Muro de Berlim caísse, liberou a Europa central e terminou a Guerra Fria.

Os preços flutuaram, mas não voltaram a subir de fato nos anos 90 (mergulhando até US$ 11 em 1998), anos em que Yeltsin ainda estava tentando ser o melhor amigo de Bill Clinton, a imprensa russa era relativamente livre e ainda havia conversas de grandes reformas econômicas. Mas em 1999 (quando os preços voltaram a atingir US$ 16 por barril), o primeiro-ministro de Yeltsin, Vladimir Putin, lançou a segunda guerra na Tchetchênia, o Ocidente bombardeou Belgrado, e o ambiente na Rússia voltou a ser distintamente anti-Ocidente.

O sortudo do Vladimir Putin assumiu a presidência em 2000, no início de um longo período de aumento do preço do petróleo, aparentemente inexorável. De fato, os pedidos de reforma interna de Gorbachev já estavam há muito esquecidos em 2003 (quando o preço do petróleo estava avançando para US$ 27 por barril). Os dias de Yeltsin exortando a Rússia a ingressar nas instituições ocidentais já eram uma lembrança distante em 2008, quando a Rússia invadiu a Geórgia (e o petróleo estava a US$ 91).

O novo presidente russo, Dmitri Medvedev, tentou soar mais amigável em 2009 (quando os preços do petróleo estavam, em média, US$ 53 por barril), deixando Putin, hoje primeiro-ministro, resmungando por trás das cenas. Ele bloqueou uma lei de traição draconiana, convidou ativistas pela democracia ao Kremlin e denunciou o ditador da Belarus. Ele pareceu até ter liberalizado um pouquinho a televisão russa.

Estamos, contudo, em 2011. Putin está dando as cartas, e Khodorkovsky acaba de ser condenado por um tribunal faz de conta. Enquanto escrevo estas palavras, o petróleo está US$ 92,25 por barril.

É muito simplista esta análise? Certamente. Mas não ouvi explicação melhor.