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Comentário: Otan realiza missão de fachada na Líbia

Anne Applebaum

19/04/2011 00h39

Em uma visita a um hospital de Trípoli na semana passada, um representante do governo líbio mostrou aos jornalistas ocidentais as evidências de “vítimas civis” causadas pelos ataques aéreos da Otan. Eles não eram tolos e ele sabia. “Isto nem mesmo é sangue humano!” ele gritou, enojado com a propaganda patética de seu próprio governo.

O incidente rendeu alguns artigos de jornal divertidos: nós, jornalistas ocidentais, adoramos ridicularizar ditadores estrangeiros que tentam nos manipular. Mas com que frequência notamos as mentiras mais delicadas contados por nossos próprios líderes? Elas não são tão descaradas quanto sangue falso, mas quando os líderes ocidentais falam sobre a campanha na Líbia como sendo uma “operação da Otan”, eles estão, no mínimo, sendo econômicos com a verdade.

Pense a respeito: não houve discussão na Otan sobre a operação, não houve debate, votação e nem planejamento conjunto. Tecnicamente, o Tratado do Atlântico Norte entra em ação apenas após um ataque contra um membro da Otan. A guerra no Afeganistão ocorreu após um ataque desses e foi, no início, amplamente vista como uma guerra contra um inimigo comum. A Líbia é diferente: não houve ataque, não há um inimigo comum e também não há consenso.

Dois membros muito importantes da Otan, a Alemanha e a Turquia, são abertamente contrários à missão na Líbia e se recusam a exercer qualquer papel operacional. Vários membros menores também expressaram suas objeções nos bastidores e não estão enviando nada exceto engradados de alimentos. O secretário-geral da Otan passou os últimos dias circulando pelas capitais secundárias europeias pedindo por aviões. Mais de uma vez ele ouviu “não” como resposta.

Até mesmo aqueles que apoiam a missão não estão contribuindo com muito. Com certo floreio, o Parlamento sueco aprovou o uso de aviões suecos pela primeira vez em mais de 40 anos. Mas os jatos suecos são autorizados apenas a aplicar a zona de exclusão aérea: isso significa que podem abater aviões líbios, mas não podem bombardear alvos em solo. Como não há mais aviões do governo líbio, isso não deverá ser muito difícil.

Os aviões holandeses operam sob as mesmas restrições. Os aviões noruegueses, por sua vez, aparentemente são autorizados a bombardear bases aéreas, mas nada mais. Os aviões italianos já realizaram mais de 100 missões, mas ainda não jogaram uma única bomba. Os canadenses estão fazendo um pouco mais, é verdade – mas os políticos canadenses estão fazendo toda sorte de malabarismo para evitar falar a respeito.

Quanto aos Estados Unidos, uma pessoa poderia ser perdoada por achar que as forças armadas americanas não fazem mais parte da Otan. Foi estranho ouvir nos últimos dias as autoridades americanas se referirem à “Otan” como se fosse algo alienígena e estrangeiro. O presidente Barack Obama deixou claro que a “Otan” agora estará no comando da operação na Líbia, o que, para ele, significa que as forças armadas americanas estão fora do quadro. “Não serão nossos aviões que manterão a zona de exclusão aérea”, disse Obama no início da campanha de bombardeio, e de fato os aviões americanos deixaram de voar há vários dias. Sua declaração é extraordinária, dado que, até a semana passada, a maioria das pessoas presumia que a Otan era uma aliança liderada pelos Estados Unidos.

Na verdade, a expedição na Líbia é desde o início um projeto anglo-francês. Mas nenhum dos países deseja a responsabilidade pela operação – e nem se sente à vontade dependendo do outro. Os franceses reclamam que a retirada americana encorajou Muammar Gaddafi; os britânicos acham que os franceses agora estão distraídos pela guerra em sua ex-colônia, a Costa do Marfim. Este fracasso em cooperar não causa surpresa. Esta é, afinal, a primeira operação militar anglo-francesa desde a Guerra do Suez de 1956, uma que terminou muito mal.

Mas se esta coalizão anglo-francesa historicamente não confiável provar ser incapaz de sustentar uma longa operação, o que acontecerá? Certamente não há uma força europeia capaz de substituí-la. Não há nem mesmo uma política externa europeia: anos de diplomacia, debate e referendos nacionais intermináveis culminaram há dois anos, na escolha de duas figuras impotentes, a do “presidente” e do “ministro das Relações Exteriores” da Europa.

As tentativas de criar um exército europeu unido nunca foram além do puro simbolismo. Caso se esgotem os aviões, combustível, dinheiro ou entusiasmo do Reino Unido e da França, então acabará. E a Otan – uma organização que, eu repito, não planejou, não preparou e nem mesmo votou pela operação na Líbia – arcará com a culpa. O uso do nome da Otan, na Líbia, é uma ficção. Mas o enfraquecimento da reputação da Otan após a missão na Líbia poderá se tornar horrivelmente real.