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Com cópias de ícones americanos, Dubai pode ser a civilização do futuro

Anne Applebaum

Em Dubai (Emirados Árabes Unidos)

22/06/2011 01h18

Viajantes estrangeiros que visitavam Nova York ou Chicago no século 19 tinham com frequência impressões mistas. Alguns achavam as cidades norte-americanas feias em comparação com as suas congêneres europeias: elas pareciam vulgares, grosseiramente comerciais e marcadas por mau gosto. A população nativa tinha padrões de vida mais elevados, mas os habitantes eram grosseiros, e a mistura étnica – alemães, irlandeses, italianos, judeus – era assustadora.

Alguns poucos sentiram que poderia haver algo que valesse a pena admirar nessa nova civilização. “Foi fascinante observar o processo de construção de um mundo – tanto a formação do mundo natural quanto do convencional”, escreveu Harriet Martineau, uma viajante inglesa, em 1837: “Eu testemunhei as duas coisas nos Estados Unidos; e quando eu penso agora naquilo, é como se eu tivesse visitado outro planeta”.

Eu pensei sobre essas visões antigas do Estados Unidos urbano não faz muito tempo, enquanto caminhava pelo Marina, um bairro da “nova” Dubai (que contrasta com a “velha” Dubai, construída em sua maioria na década de setenta). Os arquitetos foram contratados em 1999; a primeira etapa foi concluída em 2004. Em breve o Marina terá 120 mil pessoas, juntamente com hotéis, restaurantes, atracadouros de iates, shopping centers e canais cujo objetivo é fazer com que os visitantes pensem em Veneza. O projeto pode até falir, e isso já aconteceu – Dubai padece de uma superabundância de imóveis –, mas dezenas de arranha-céus novos em folha, alguns ainda trazendo andaimes a sua volta, estão surgindo no Golfo Pérsico, enquanto o areal atrás deles é demarcado para a construção de mais prédios.

O Marina, para um cínico olhar norte-americano, é irremediavelmente vulgar. Assim como o resto da cidade. Quase não existe evidência da história ou da cultura local. Nomes de marcas internacionais estão espalhados por toda parte, da Applebee's à Rolex, e tudo é importado, desde o peixe cru do Nobu até o café da Starbucks. Em Abu Dhabi, o emirado próximo, eles até compraram os nomes Louvre e Guggenheim e estão construindo museus para fazer jus a esses nomes. Eu fiquei instintivamente boquiaberta. Como é que alguém pode comprar o Louvre? Mas talvez os visitantes europeus no passado tenham sentido o mesmo em relação à mansão do empresário norte-americano Henry Frick, em Nova York, e as obras dos Velhos Mestres que lá havia.

E assim como os europeus acharam estranho ver a sua própria arquitetura copiada e alterada nos Estados Unidos, eu achei esquisito ver a arquitetura norte-americana copiada e alterada na Península Arábica. Às vezes encontram-se elementos locais – a ocasional torre no estilo Noites Árabes, um “souk” falsificado –, mas o edifício mais alto do mundo, o Burj Khalifa, lembra bastante a Willis Tower, de Chicago, que também já foi o maior edifício do mundo. Isso não é nenhuma coincidência. Ambos os edifícios foram projetados pela Skidmore, Owings & Merrill, também de Chicago. Se as fontes em volta do Burj Khalifa (iluminadas à noite por 6.600 lâmpadas) fazem lembrar um pouco Las Vegas, isso também não é coincidência: elas foram projetadas pela mesma companhia que construiu as fontes do Hotel Bellagio.

Da mesma forma que os europeus impressionaram-se no passado com a riqueza norte-americana, eu fiquei fascinada pela riqueza dos moradores e visitantes de Dubai. Alguém deve estar comprando todos aqueles relógios Rolex e se hospedando nas suítes executivas do Hotel Armani. Eu também fiquei intrigada com a mistura étnica. Indianos, nigerianos, japoneses, britânicos, russos, filipinos e australianos tomando sol nas praias do Marina, e de vez quando um nativo com a tradicional cobertura branca na cabeça. Mulheres de biquíni passando ao lado de mulheres de burca. Todo mundo falando aos telefones celulares.

Mas esta sociedade aparentemente harmoniosa e multiétnica tem o seu lado sombrio. Ocasionalmente, membros da invisível polícia estatal árabe prendem um turista por ter supostamente feito um gesto indecente ou deportam alguém sem qualquer explicação. Ninguém protesta porque quase ninguém “mora” em Dubai, ao contrário dos imigrantes que moravam de fato em Nova York. Menos de 20% dos 1,7 milhão de habitantes de Dubai são cidadãos. O resto consiste de banqueiros e comerciantes especuladores estrangeiros – não há imposto de renda em Dubai – ou de trabalhadores que ganham baixos salários, a maioria deles do sul da Ásia, alguns dos quais vivem como mão-de-obra nômade e barata.

Não é de se admirar que eles não se preocupem com a vulgaridade do lugar: eles provavelmente serão transferidos para outro lugar no ano que vem. É improvável que uma população transitória lance um movimento por democracia ou direitos políticos. Se protestarem, eles se arriscam a serem expulsos. Os nativos também não estão empolgados com a perspectiva de um governo da maioria, já que a maioria é estrangeira. É por isso que ninguém ouviu nada sobre Dubai desde o início da Primavera Árabe.

Assim como os europeus antes de mim, eu resisti à ideia de que Dubai prenuncie a civilização do futuro. Mas eu tenho que admitir que de certa forma isso pode ser verdade. Não apenas Cingapura e Hong Kong, mas também partes do centro de Londres que são atualmente habitadas por banqueiros de passagem e pelos seus servos filipinos em situação semilegal, têm mais a ver com Dubai do que com o cerne dos seus próprios países, ainda que a arquitetura seja diferente. Eu posso também entender como Dubai, que é limpa, ordeira e bem administrada, possa parecer um lugar seguro se comparada a sociedades conturbadas e violentas como o Paquistão ou mesmo a Rússia.

Para mim, isso parece ser absurdo, bem como estranho: assim como Harriet Martineau, eu sinto como se tivesse estado em outro planeta. Mas sempre houve e haverá gente que sonha em escapar da sua cultura, que deseja esquecer a sua história, e que se contenta em viver sem um passado. E agora, em Dubai, elas podem fazer exatamente isso.