Topo

Por que os espanhóis estão tão irritados?

Funcionários públicos espanhóis protestam contra medidas de austeridade do governo, no centro de Madri - Susana Vera/Reuters
Funcionários públicos espanhóis protestam contra medidas de austeridade do governo, no centro de Madri Imagem: Susana Vera/Reuters

Jorge Ramos

06/01/2014 00h01

Por que os espanhóis estão tão irritados? A lista é longa, e creio que eles têm toda a razão de estar. Mas, de cara, digamos o óbvio: a crise se vê e se sente na Espanha. Cinco anos no buraco não podem ser ocultados.

Fazia tempo que eu não voltava à Espanha, e a recepção desta vez não foi festiva. Muitos dos restaurantes a que fui eram atendidos por poucos e cansados garçons. A mesma pessoa que nos recebeu à porta de um restaurante em Barcelona anotava reservas, serviu o vinho, tomou o pedido e atendeu a todas as mesas do lugar ao mesmo tempo. Missão impossível e interminável.

Os hotéis de quatro ou cinco estrelas têm empregados mal-humorados fazendo mais coisas do que desejariam. O mesmo jovem que carregou as malas até meu quarto em Madri estava encarregado da segurança do hotel e servia o café da manhã.

Inclusive na luminosa e festeira ilha de Ibiza se vive a crise. O novo hotel da moda (que cobrava cifras absolutamente desproporcionais por quartos mínimos e minimalistas no último verão) oferecia um serviço medíocre e uma atitude arrogante, tudo com uma máscara "cool" e ao ritmo de música tecno.

Quando devolvi meu carro alugado - um conversível cujo teto nunca pôde ser recolhido porque estava emperrado -, a mulher da agência começou a gritar e a me acusar de crimes contra a humanidade. Ameaçou com uma conta de milhares de euros por um defeito pelo qual eles eram responsáveis. Como nas caricaturas, essa mulher tinha uma nuvem sobre sua cabeça.

Esse mal-estar que detectamos como visitantes, tenho certeza, também é vivido no próprio centro da sociedade espanhola.

Por que tanta irritação? São várias coisas: uma longa crise econômica, políticos sem liderança que abusaram do sistema, um futuro pouco promissor e até uma família real que não aterrissa na realidade.

Um de cada quatro espanhóis não tem emprego. E um de cada dois jovens com menos de 25 anos está desocupado. Isso irrita qualquer um.

Como não estar irritado se os políticos de Valência autorizaram na época das vacas gordas a construção da "Cidade das Artes e das Ciências" e agora, na época das vacas magras, ainda devem mais de US$ 900 milhões? Como não estar irritado se a nação tem uma dívida que equivale a mais de 27 mil euros para cada um dos 47 milhões de espanhóis?

Como não estar irritado se um dos principais membros da equipe Espanha - a Catalunha - quer ser independente e criar seu próprio time? Milhões de catalães estão convencidos de que sozinhos estarão melhor que com o resto da Espanha. Não há nada pior do que estar com quem não se quer estar. Veremos se na casa Espanha cabem todos, como disse o rei em seu discurso de Natal.

Como não estar irritado se se suspeita que o genro do rei, Iñaki Urdangarin, desviou milhões de euros de fundos públicos para seu benefício pessoal através do Instituto Noos? É inevitável perguntar se realmente a monarquia espanhola nunca soube nada a respeito.

Como não estar irritados se um escândalo de corrupção enlameia a cúpula do Partido Popular, com acusações de salários excessivos, gastos supérfluos e transparência zero? E apesar de tudo continua no poder, como se nada houvesse.

Tenho um carinho particular pela Espanha. Lá cresceu minha filha e lá passei inúmeros verões e natais. Alguma vez pensei, como muitos, que a Espanha era o melhor país para viver: por sua gente, geografia e comida e por entender como poucos quais são as coisas importantes na vida. Por isso notei uma significativa mudança de atitude; de otimismo e energia marcantes para um inocultável cansaço de tantas agressões.

Durante minha recente visita, cometi o erro de tuitar que me parecia que muitos espanhóis estavam muito irritados. Poucos segundos depois recebi a resposta de um deles, convidando-me muito amavelmente a sair do país. Não me atrevi a responder.