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Gordos e outras más palavras

Jorge Ramos

24/01/2014 00h01

Como vai a dieta? No México, muito mal. Tenho a idade e a memória para lembrar uma época em que chamar alguém de gordo não era ofensivo nem depreciativo. Pelo contrário, entre meus parentes e amigos no México havia muitos e afetuosos "gordos" e "gordinhos".

Inclusive era frequente escutar alguém chamar sua namorada de "gordinha" e, em vez de uma bofetada, receber um sorriso e um beijo.

Venho de um país onde a desnutrição matava milhares de pessoas. Ser extremamente magro significava muitas vezes doença e pobreza extrema. O mesmo ocorria em outros países do mundo.

Muita coisa mudou nos últimos anos. Hoje em dia chamar alguém de gordo é uma ofensa, politicamente incorreto e demonstra uma enorme ignorância. A obesidade é uma doença, e no caso do México uma verdadeira epidemia. No último ano o México se transformou no país com mais obesidade no mundo, superando inclusive EUA, Nova Zelândia, Chile e Austrália, segundo um estudo da Organização para Alimentação e Agricultura da ONU. Os números são devastadores.

Como se come bem no México. O problema é que se percebe. Muito.

Sete em cada dez mexicanos adultos são obesos ou têm sobrepeso (de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição de 2012). As mulheres mexicanas (73%) sofrem disso um pouco mais que os homens (69,4%).

É um problema que começa na infância. A minha foi temperada por papinhas, chicharrones, churrumais com pimenta e limão, e todo tipo de comida reaproveitada. Eu subia na bicicleta para ir à lojinha da colônia e, em troca das moedas que encontrava em casa, levava tudo o que pudesse chupar ou mastigar. Essa tradição de comer mal e o que engorda continua. Uma em cada três crianças mexicanas (34,4%) entre 5 e 11 anos sofre de obesidade ou sobrepeso. E ter quilos a mais também pode transformá-las em vítimas do "bullying".

O que fazer é um problema gordo. Na minha adolescência, era preciso caminhar meia hora morro acima para chegar à única pizzaria da região. Mas o Tratado de Livre Comércio, uma fronteira porosa e a publicidade sem consciência de saúde pública somou as pizzas, os hambúrgueres, hot dogs e sorvetes aos nossos tacos, enchiladas, tamales, garnachas e raspados.

A combinação, servida em lanchonetes de fast food, foi explosiva. A diabetes, a hipertensão e doenças do coração subiram como gás de refrigerante. De uma sociedade rural, passamos a ser urbana e deixamos de nos movimentar. Comidas baratas e altas em gordura, açúcares e sódio começaram a nos matar.

No ano passado, o governo do presidente Enrique Peña Nieto lançou uma "estratégia nacional" enfocada em reduzir a cintura do país. Inclui mais impostos sobre a comida "lixo", incentivos para a elaboração de sanduíches nutritivos e planos para o estabelecimento de programas de saúde e exercício.

Mas é como tomar água morna. Não se atreve a fazer o que é preciso fazer.

A campanha contra o cigarro em nível mundial teve êxito em vários países por dois motivos: aumentou exageradamente o preço dos cigarros e proibiu sua publicidade em quase todos os meios. Hoje fumar não é "cool". Mas não há vontade política para fazer o mesmo com as empresas que, com publicidade incessante sobre refrigerantes, guloseimas e comida gordurosa enchem de colesterol as veias mexicanas.

A dieta no México não começou. Janeiro e fevereiro passarão tão rápido quanto um saco de chips em um recreio escolar. As resoluções de Ano Novo terminarão como "tortas afogadas" junto às matrículas não utilizadas nas academias. Não é só questão de disciplina. Comer bem - frutas, verduras, orgânico, local e da temporada - é muito mais caro que comer mal. E reduzir o peso exige muito mais que força de vontade. Ser um país saudável exige uma mudança na mente, antes do estômago.

O México deixou de ser um país de desnutridos para ser um de obesos. Em uma década triplicou a porcentagem de pessoas com excesso de peso. Por isso a palavra "gordo" se transformou quase em um insulto. Não há nada divertido ou carinhoso na gordura.

A violência do narcotráfico não é a principal ameaça para os mexicanos; dezenas de milhares morrem prematuramente todo ano de diabetes e doenças cardíacas. É o que os mexicanos levam à boca o que mais os está matando. Sim, há coisas piores que as más palavras. Estamos morrendo a mordidas.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves