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Incertezas fazem russos investirem fora do país

Jorge Ramos

09/04/2014 00h01

Os russos estão por toda parte. Há dois à minha frente e quatro atrás de mim na fila para mostrar o passaporte no aeroporto de Veneza. O único funcionário italiano que nos atende fala russo.

Seis senhoras russas com sacolas e mais sacolas de compras se apoderam de uma mesa em um restaurante na moda perto da Via della Spiga em Milão. Lá fora, em um belo pátio interno, um pai russo chega com seus três filhos perfeitamente uniformizados com jaquetas fosforescentes verde e laranja. Ele pede em russo uma mesa e o garçom italiano a consegue imediatamente.

O quarto do meu hotel oferece seis canais em russo e só três em espanhol. No de Londres, alguns dias atrás, foi a mesma história. O jornal local descrevia como os investidores russos, temerosos de guardar seu capital em Moscou, invadiram o mercado de valores londrino e fizeram disparar os preços das propriedades na cidade que, sem dúvida, já é a mais cara do mundo.

Não é novidade para mim. Moro em Miami, onde os russos veraneiam todo ano, e sua presença em clubes, nos shopping centers e restaurantes de luxo deixou de chamar a atenção.

Os russos estão por toda parte porque podem. Antes da desintegração da União Soviética em 1991, muito poucos podiam sair de seu país. Depois as 15 nações independentes que surgiram (incluindo a Rússia) demoraram anos para fazer uma dolorosa transição para a economia de mercado.

Há menos de uma década os russos que se beneficiaram das privatizações das empresas estatais começaram a sair em massa para comprar e conquistar o mundo.

Não foi fácil deixar de ser uma grande potência. Ainda em 2006, uma pesquisa concluiu que 66% dos russos ressentiam o desaparecimento da URSS.

É claro; era uma potência militar, com milhares de bombas nucleares e o mundo a tratava com respeito e medo. Passar do socialismo com um partido político único para um sistema relativamente democrático e capitalista foi uma verdadeira terapia de choque.

Mas o impacto da mudança já passou, e agora é novamente a época da expansão. Os russos querem mais. E é aqui que entra o presidente Vladimir Putin, que manobrou habilmente para ficar no poder e que não deixa passar qualquer oportunidade de tirar a camisa em público.

As Olimpíadas de Sochi se realizaram com êxito e já se preparam para a Copa do Mundo de futebol em 2018. Tudo grande.

Além disso, Putin não quer lições de democracia dos EUA, país que invadiu o Iraque sem razão; que tem dezenas de prisioneiros sem acusação em Guantánamo; e que espionou os telefonemas e mensagens de milhões de pessoas no mundo.

A Rússia tem 143 milhões de habitantes e só a metade dos soldados dos EUA. Mas Putin reinterpretou essa nostalgia de grandeza de seus concidadãos e decidiu enfrentar os EUA e os países europeus da Otan.

Primeiro bloqueando uma ação coletiva da ONU contra a ditadura na Síria e agora invadindo a Crimeia e promovendo sua anexação ilegal à Rússia.

A Rússia não é a União Soviética, mas suas 8.500 ogivas nucleares tornam impensável qualquer opção militar. Quer dizer, mesmo que Putin invada a Crimeia e ameace a Ucrânia, os EUA e a Otan nunca atacariam. Por isso, as únicas alternativas que restam ao presidente Barack Obama e seus aliados são sanções, isolar a Rússia e esperar que isso dissipe os sonhos de grandeza de Putin.

As bravatas de Putin ao ameaçar seus vizinhos têm origem, segundo disse Obama, “mais que na força, na fraqueza”. E, acrescentaria, na pouca compreensão de como funciona o mundo hoje.

Enquanto Putin flexiona absurdamente seu poderio militar, são os russos com seu novo poder aquisitivo que realmente estão conquistando os lugares mais bonitos e importantes do mundo, rublo por rublo.