Topo

Veneza e Las Vegas: duas cidades impossíveis

Jorge Ramos

17/04/2014 00h01

Veneza e Las Vegas são duas cidades impossíveis. Não deveriam existir e no entanto aí estão. Uma delas ameaça afundar e não afunda, e a outra sobrevive imune ao vento, à areia e ao calor no meio do deserto.

Por um desses estranhos itinerários que só aterrissam nas agendas de jornalistas desorganizados, há alguns dias eu estava em Veneza e hoje amanheci na cidade onde um grande hotel inventou no lobby uma grotesca réplica de Veneza, com gôndolas e "gelato". Impossível compará-las.

Mas se Veneza e Las Vegas têm algo em comum é que ambas desafiam a imaginação e a arquitetura. Seus edifícios se erguem como uma provocação ao mar e ao deserto, como crianças impertinentes que resistiram a aceitar os obstáculos da natureza e, brincando, construíram seus castelos de areia.

Veneza é bonita e sublime (embora suas águas se misturem com excremento e cheirem mal no verão). Em um de seus labirínticos canais perdi meu celular durante uma visita anterior, e foi o melhor que poderia ter-me acontecido; deixei de tirar fotos e o mundo exterior desapareceu.

Nesta última viagem entrei pelas áreas onde vivem os venezianos, onde o turista se sente perdido e a roupa suja é pendurada sobre os canais. Os jovens venezianos tendem a partir por falta de trabalho e porque estão cansados de nós, viajantes. Mas há tantos momentos em Veneza nos quais pensamos: como pode alguém querer sair daqui?

A magia em Veneza ocorre quando, de repente, você está sozinho e apenas ouve a água rebater suavemente contra as paredes de tijolos que há séculos perderam o vermelho. Em cada viagem busco essa magia, e sempre me despedi com esse silêncio tão veneziano incrustado entre meus ouvidos.

Veneza, em seus dias de glória como cidade-Estado no século 15, inclusive se dava ao luxo de ser vulgar, com mais prostitutas por habitante do que muitos impérios, particularmente no carnaval. Mas nada como Las Vegas.

Vegas (o "Las" já se perdeu) é artificial e parece sempre recém-feita. Nas manhãs aparecem todas as costuras. Mas à noite - oh, a noite! - seus clubes, cassinos, suítes, lojas, restaurantes e bares levam a vida ao limite, espremendo-a, o excesso é a norma, como se fôssemos empurrados por um deus rebelde que acaba de nos confessar que isto acabou e o sol não sairá mais.

Mas a magia de Las Vegas está em ter-se inventado um lugar no meio do nada, onde tudo vale. E isso exigiu - exige - um exército de engenheiros, figurinista, trabalhadores, crupiês e magos que mantêm vivo o sonho da imortalidade e da riqueza.

Às vezes ficamos com a impressão de que Las Vegas é feita de papelão, que é um cenário móvel pintado com a cor da moda. No entanto, o que realmente surpreende é o que ocorre por trás dessa máscara de festa. A cidade está cheia de trabalhadores - magos que têm como objetivo fazer seus visitantes acreditarem que o melhor ainda está por vir.

Minhas despedidas de Veneza e Las Vegas foram totalmente diferentes. Em Veneza foi uma promessa de que, aconteça o que acontecer, voltarei logo. De Las Vegas parti pensando que oxalá passe muito tempo antes que eu regresse. Em Veneza me faltou tempo, enquanto as horas que passei em Las Vegas pareceram uma overdose.

Las Vegas e Veneza são produtos da imaginação, dessa maravilhosa resistência a aceitar o que temos. Veneza e Las Vegas não deveriam existir, são cidades impossíveis, e por isso não as podemos tirar de nossa cabeça.