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Apoiar um rei é ir contra o avanço de todos e defender os valores mais retrógrados

Jorge Ramos

19/06/2014 00h01

Para quê a Espanha precisa de um rei em pleno século 21? Para nada.

A democracia espanhola está perfeitamente consolidada, depois da morte do ditador Francisco Franco em 1975, e não precisa de um novo rei para garantir seu futuro. Os espanhóis podem viver sem rei.

A abdicação de Juan Carlos 1º de Borbón pegou muitos de surpresa. Mas havia uma crescente pressão para a mudança. Em um país com cerca de 6 milhões de desempregados, onde ter menos de 25 anos é quase uma condenação ao desemprego, não é fácil justificar os gastos de um monarca que vai caçar elefantes ou os abusos e as cumplicidades de seu genro, Iñaki Urdangarín, para enriquecer.

Ninguém questiona o papel fundamental do rei Juan Carlos na transição para a democracia. Mas não mais. Seu papel não é essencial.

Hoje a maioria dos espanhóis quer uma mudança. Segundo uma pesquisa do jornal "El País", 62% da população desejariam "em algum momento" um plebiscito para redefinir sua forma de governo e escolher entre monarquia ou república. Mas, como sempre, os políticos tradicionais não estão escutando.

O primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, cortou qualquer possibilidade de mudança no atual sistema de governo. "O debate tem um objetivo único", disse, "a abdicação, é disso que se trata." E como seu partido, o Popular, e o Partido Socialista Operário Espanhol controlam mais de 80% dos assentos no Parlamento, o tema de uma verdadeira e final transição para a democracia ficou arquivado. Mas voltará a surgir.

Ter reis não é moderno, moral, desejável ou edificante. É um terrível preconceito histórico. Ninguém deveria ter um cargo só por ser filho do rei. Essa não pode ser uma regra universal. Em uma sociedade na qual premiamos o talento, o esforço, a criatividade e o valor, o menos "cool" é ser príncipe ou rei por seu nascimento em uma família privilegiada.

A monarquia parlamentar é a forma política do Estado espanhol. O rei reina, dizem, mas não governa. É sua maneira peculiar de separar os poderes. Mas, existe uma contradição intrínseca: manda a maioria ou manda um? Monarquia parlamentar é um termo tão confuso e ambíguo quanto o "Estado livre associado" em Porto Rico ou o "Partido Revolucionário Institucional" no México.

Apoiar a monarquia vai contra o princípio de igualdade promovido pela maioria das Constituições do mundo. "Todos os homens foram criados iguais", diz a Declaração de Independência dos EUA. Os franceses estabeleceram o mesmo em sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789: "Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos". E a ONU referenda em 1948, quase com as mesmas palavras, o conceito de que ninguém nasce superior aos outros.

Apoiar um rei é ir contra o avanço de todos e defender os valores mais retrógrados e injustos de uma sociedade. A Espanha pode em 2014 definir seu futuro buscando maior igualdade, mas por enquanto preferiu ser um país de desiguais.

Esse assunto certamente não é pessoal. Conheci o príncipe Felipe em Honduras, depois da passagem destruidora do furacão Mitch. Ele se meteu nas áreas mais perigosas e afetadas, compartilhando e ajudando os mais pobres dos pobres. Impressionou-me sua atitude; foi simples e direto, afetivo e efetivo.

Voltei a vê-lo há alguns meses, durante sua visita às instalações das redes Univision e Fusion em Miami. Duvido que haja alguém melhor preparado que ele, com inigualáveis qualidades militares, linguísticas e diplomáticas, para ser rei. (Tem até senso de humor: tirou uma "selfie" sorridente com uma de nossas jornalistas.)

Mas, nesta época, ninguém deve ser súdito de ninguém. Insistir em reis e rainhas é a mensagem equivocada. No século 19 havia mais de 250 monarquias no mundo. O jornal "The Washington Post" calculou que hoje só restam 26.
Suspeito que Felipe e sua esposa, Letizia, por sua juventude, formação e inteligência, também apoiariam um plebiscito se não fizessem parte da família real.

Mas, o democrático, o verdadeiramente moderno, é que se Felipe ou qualquer outro espanhol quiser ser chefe de Estado, que se lance candidato e se submeta à votação. Não vale apelar para sua certidão de nascimento.

A monarquia já teve seu lugar na história da Espanha. Esta é a era das repúblicas, da democracia, da igualdade e dos cidadãos.

Chega de reis.