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Hora de pagar as contas e aliviar a ressaca de fim de Copa

Jorge Ramos

Do Rio de Janeiro

24/07/2014 06h00

Não há nada mais feio e desagradável do que acender as luzes na manhã seguinte a uma festa. A alegria e os excessos na discoteca, no clube ou na sala se transformam em balões murchos, amores traídos e bebidas no chão. Regressar à realidade dói. Sobretudo depois de se gastar US$ 13 bilhões (cerca de R$ 29 bilhões) na festa.

Jornalista Jorge Ramos, colunista do New York Times - Cindy Karp/NYT - Cindy Karp/NYT
O jornalista Jorge Ramos é colunista do New York Times
Imagem: Cindy Karp/NYT

Os brasileiros organizaram uma festa muito cara para ganhar em casa --e no renovado templo do Maracanã-- sua sexta Copa do Mundo. Em vez de mais escolas, hospitais e novos investimentos para criar empregos, como exigiam os manifestantes durante seus protestos, fizeram um estádio na selva em Manaus, outro em Brasília, desnecessário porque lá se joga mais basquete, e em geral gastaram o que não tinham. Mas se esqueceram do mais importante: uma seleção vencedora. Aí o teatrinho caiu.

Sua derrota de 7 a 1 contra a Alemanha foi uma verdadeira humilhação. E perder o terceiro lugar com um placar de 3 a 0 para a Holanda só confirmou o desastre. Foi um Mundial atropelado. Isso se notou em tudo, desde os recorrentes problemas de tráfego e transporte até as pobres coreografias nas cerimônias de abertura e encerramento, mais apropriadas a uma escola primária do que a um evento de nível mundial.

Os brasileiros, ao contrário de todos os estereótipos, não foram tão alegres como muitos supunham. O Brasil não é um carnaval. O futebol é mais circo que o circo, mas não conserta tudo. As faces brancas dos brasileiros que puderam comprar os caríssimos ingressos para os 64 jogos da Copa não refletem um país com uma clara herança africana e indígena. Essa segregação racial está sempre presente. Dos 300 comensais em um restaurante dos mais conhecidos do Rio só havia um casal de pele escura. Um.

Apesar dos progressos contra a pobreza extrema durante a presidência de Lula da Silva, o Brasil continua sendo um dos países mais desiguais do mundo: os 10% mais ricos recebem mais de 40% da renda. Não é fácil deixar de ser pobre no Brasil. O futebol permitiu ao jogador Neymar deixar a favela de São Paulo. Mas João, um jovem de 19 anos, não conseguiu sair da favela Kennedy no Rio.

O motorista não queria me levar à favela Kennedy, nos arredores da cidade e a uma hora da praia de Ipanema. "É muito perigosa", disse-me. "Um sujeito levou tiros lá." Apesar do programa de "pacificação" do governo da presidente Dilma Rousseff, dois bandos de traficantes disputam o controle da favela.

Quando chegamos era dia de feira. Cruzamos um posto policial e entramos na terra de ninguém. Lá estava me esperando João, que dirige uma loja/bar em um velho caminhão. Como se fosse muito normal, mostrou-me de onde os narcotraficantes disparavam e me explicou como, aos 13 anos, o surpreendeu em sua própria casa um jovem delinquente que havia começado a roubar. A minúscula casa de tijolos vermelhos que João divide com sua mãe tem televisor e fogão. A água e a eletricidade eles roubam, como todos os demais moradores da favela. Também não pagam impostos. Vivem literalmente na margem.

João quer ir para a universidade e sair da favela. Mas, como milhões de brasileiros, não pode. Não tem dinheiro nem joga futebol profissional. Falei com ele no final da Copa, e a dureza da vida diária já havia regressado à favela. "A festa acabou", disse-me, mais realista que triste. João nunca viu um milagre. Esta Copa tampouco o foi. E das Olimpíadas, daqui a dois anos, não espera nada. Só mais tráfego.

Dilma, como todos chamam a presidente, não saiu bem da Copa. Cada vez que se apresentava em público a vaiavam e insultavam. Eu nunca havia presenciado algo assim. Quando coube a Dilma entregar a taça da Copa à equipe da Alemanha, o fez tão depressa como se lhe queimasse as mãos. Não queria mais assobios. Nem sequer fez um discurso de despedida. Algo não fecha; uma presidente tão impopular não pode ter a reeleição garantida em outubro, como sugerem as pesquisas.

Não há nada mais efêmero que uma partida de futebol. Minutos depois, não tem a menor importância e dali a poucos dias ninguém se lembra. O mesmo ocorre com as Copas. As goleadas, os dribles, as mordidas e a má arbitragem se misturam em uma espécie de sonho que sai pela chaminé. 

No Brasil, já acenderam a luz depois da festa, e agora é preciso pagar as contas e aliviar a ressaca. Sua seleção decaída, sim, reflete o que acontece no país. A Copa foi só uma ilusão.