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Sobrevida de informações na internet não nos dá o direito de sermos esquecidos

Jorge Ramos

21/08/2014 00h01

Todos já fizemos coisas idiotas que gostaríamos de esquecer. Claro, eu tenho minha lista. Mas, além disso, gostaríamos que os outros também as esquecessem. E isso é quase impossível.

Nossa vida, para o bem ou para mal, está gravada na internet e em nossos celulares. Tudo o que escrevemos, enviamos por mensagem ou fotografamos está em algum arquivo digital fora de nosso controle. Há "nuvens" ou cemitérios digitais dos quais muitas vezes os mortos se levantam.

Edward Snowden, o ex-funcionário da Agência Nacional de Segurança dos EUA, nos ensinou que nada é secreto. E o recente roubo de milhões de senhas executado por piratas informáticos na Rússia nos deixa ainda mais vulneráveis.
"Os celulares não são só uma tecnologia conveniente", disse há pouco tempo John Roberts, juiz da Suprema Corte de Justiça. "Com tudo o que eles contêm e com tudo o que podem revelar, trazem em si a privacidade da vida dos americanos." Por isso a Suprema Corte decidiu por 9 a 0 que a polícia não pode ver seu telefone sem uma ordem judicial. Os juízes também têm seus segredinhos.

Sempre há alguém vigiando e guardando informação. Cada vez que há um crime, me surpreende a rapidez com que a polícia americana fica sabendo de qual foi o último telefonema do agressor e da vítima e o que fizeram em seus computadores.

Todos temos uma marca digital. Faça o seguinte: entre no Google e no Bing e digite seu nome. É muito possível que, mesmo que não seja uma figura pública, haja informação sobre você, e nem toda é confiável. Provavelmente há até mentiras e difamações. Como se retira isso da internet?

O tribunal máximo de Justiça da União Europeia, baseado em Luxemburgo, saiu em socorro. Em maio, decidiu que as pessoas têm o direito de influir no que o mundo pode saber sobre elas. Baseou-se no caso do espanhol Mario Costeja, a quem incomodava que toda vez que alguém pesquisava seu nome no Google aparecia um velho artigo jornalístico dos anos 1990, no qual se relatava a venda de sua casa para pagar antigas dívidas. O advogado espanhol comentou que isso o afetava profissionalmente e o tribunal lhe deu razão.

Por isso, agora o Google tem uma solicitação "online" para os europeus que desejarem apagar informação que seja "irrelevante, desatualizada ou inapropriada" sobre eles. Mas não é apagar e pronto. O Google o remove de sua máquina de buscas, mas a página original não desaparece.

Em outras palavras, não podemos apagar totalmente nosso passado. Se você disse uma idiotice no Twitter ou no Facebook, lá está. Se apareceu embriagado no Instagram, lá está. O mesmo ocorre sobre o que outras pessoas escreveram sobre você, seja verdade ou não.

O Twitter informou recentemente que tem mais de 255 milhões de usuários por mês. E o Facebook afirma que dois em cada três de seus 1,28 bilhão de usuários entram no site todos os dias. Estamos literalmente inundados de informação.

Se você está lendo isso em um computador ou celular ou está perto de um, entre no site InternetLiveStats.com. Os números em tempo real são impressionantes: há quase 3 bilhões de pessoas usando a internet no planeta, realizam-se mais de 2 bilhões de buscas de informação no Google todos os dias e se veem diariamente mais de 4 bilhões de vídeos no YouTube.

Nossa vida é cada vez mais o que fazemos e o que interagimos em celulares e computadores. Aproximadamente 40% da humanidade estão enfiados na internet. E quando digo "enfiados", penso sobretudo nas pessoas que dormem, tomam banho, trabalham e descansam a poucos centímetros de seus celulares. Já deixaram de me surpreender as refeições em que, por alguns momentos, todos estão revisando seus telefones, como se houvesse uma emergência mundial.

Essa vida dupla --real e digital-- que muitos de nós levamos deixa inevitavelmente seu rastro. A definição de identidade se expandiu: você é você, o que faz pela internet e o que outros dizem sobre você na mídia social. Este último é indelével.

O conceito de uma internet totalmente livre, tão atraente alguns anos atrás, hoje é um pesadelo digital para todos. Quem não se arrepende de algo que fez na internet ou gostaria de apagar algum detalhe que outro escreveu sobre si?

Viver para sempre, uma vida depois da morte, é o que nos prometem as religiões. Mas não é preciso mais rezar por isso. A internet nos tornou eternos.

Ninguém jamais poderá ser esquecido.