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Mexicanos nos EUA pouco importam para presidentes como Peña Nieto

Jorge Ramos

04/09/2014 00h01

"Sou outro quando sou."

- Octavio Paz ("Piedra de Sol")

"O outro México."

Assim o presidente do México, Enrique Peña Nieto, chamou a Califórnia durante sua recente visita. Lá, cerca de 12 milhões de pessoas --um terço da população californiana-- são de origem mexicana. Mas Peña Nieto ficou aquém. "O outro México" que vive nos EUA também está na zona de Pilsen, em Chicago; nos campos de tomate da Flórida e da Carolina do Norte; na comunidade mexicana de Nova York e em toda a fronteira com o Texas. Nos EUA, há mais de 33 milhões de mexicanos ou pessoas de origem mexicana (segundo o Centro de Pesquisas Pew, cujos estudos cito aqui).

Mas, ao contrário da imagem de proximidade que Peña Nieto quis dar, esse "outro México" está muito distante e muito poucas vezes recebe ajuda de seu governo. Há consulados que oferecem um serviço muito pobre e ineficiente aos mexicanos nos EUA, e, apesar das promessas, os últimos dois presidentes do México não se atreveram a defender seus compatriotas no norte em uma questão central em suas vidas.

Com a desculpa de que não querem se meter nos assuntos internos dos EUA, os governos do priista Enrique Peña Nieto e do panista Felipe Calderón deixaram sós os mexicanos no norte em sua luta por uma reforma migratória. Dizer que a legalização de 11 milhões de sem documentos seria "uma questão de justiça", como declarou Peña Nieto em Los Angeles, é irrelevante. Dá aplausos, mas são palavras ocas. Não servem para nada, a menos que sejam seguidas de um esforço público, organizado e bem financiado em Washington para que a reforma migratória seja aprovada. E nada disso está sendo feito pelo governo de Peña Nieto.

Apesar de suas falhas, Vicente Fox foi o último presidente mexicano que negociou com os EUA um tratamento melhor para os imigrantes mexicanos. Foi a época da "gran enchilada", termo do ex-chanceler Jorge Castañeda --e do bendito acordo migratório. Mas tudo caiu quando os terroristas da Al Qaeda derrubaram as Torres Gêmeas em Nova York em 2001. A partir daí, o tratamento aos estrangeiros nos EUA se deteriorou significativamente e os mexicanos nos EUA ficaram cada vez mais sozinhos.

A verdade é que os governos do México se preocupam muito pouco com os mexicanos nos EUA. Encantam-lhes os US$ 2 bilhões que recebem em remessas, mas nos complicam ao impossível os trâmites para votar em eleições presidenciais. Falam em cooperação e fraternidade, mas, no Congresso, não querem representantes do estrangeiro. E não há sequer um programa realista e atraente de repatriação. Para o governo, somos os que partiram, os "agringados" e até os traidores.

Há uma crescente distância entre os mexicanos nos EUA e os governos do México. A migração não é mais circular como antes. Há menos idas e vindas. Cruzar a fronteira, legal ou ilegalmente, tornou-se mais difícil, perigoso e caro. A fronteira nos divide fisicamente cada vez mais.

Ao mesmo tempo, a população mexicana nos EUA está se "americanizando" e se integrando muito rapidamente ao resto da sociedade: cada vez tem melhores trabalhos, salários e educação. Não, os EUA não são a terra prometida. (O racismo continua presente. Basta lembrar as mortes dos jovens afro-americanos Trayvon Martin e Michael Brown.) Mas, ainda 44% dos mexicanos no México acreditam que nos EUA se vive melhor.

Muito poucos mexicanos pensam em voltar ao México. Por quê? Não é complicado. Além das óbvias diferenças econômicas, o México é o país com mais sequestros do mundo, segundo o Observatório Nacional Cidadão, e 79% dos mexicanos consideram a criminalidade o principal problema do país. A pessoa vem para os EUA por um pequeno período --para conseguir trabalho e sentir-se mais seguro-- e fica para a vida toda.

Tenho a sorte de ter dois passaportes, de possuir duas nacionalidades e de votar nos dois países. A primeira metade de minha vida foi no México e a segunda foi aqui nos EUA. Vou e venho com frequência de avião e na internet. Mas nada do que me liga ao México --minha família, meus amigos, a cultura, a comida, o lugar onde cresci, as memórias que sou-- tem a ver com o governo de turno ou seu presidente. E muitos mexicanos com quem convivo têm a mesma experiência.

Por isso, quando vem aos EUA algum político mexicano fazer discursos, para dizer que nos quer muito bem e nos garantir que vai nos ajudar, acendem-se todos os alarmes e não podemos acreditar. Quase nunca nos fazem caso, a menos que lhes sirva para algo. Não lhes importamos.

Quando Peña Nieto disse que chegava ao "outro México", o que estava dizendo, na verdade, é que para ele e seu governo nós somos os "outros mexicanos". E ser "o outro" é estar a apenas um passo do esquecimento.