Topo

Mario Vargas Llosa: "O tiranicídio é legítimo, é válido matar o ditador"

O escritor Mario Vargas Llosa durante o 6º Congresso Internacional da Língua Espanhola, no Panamá, em outubro de 2013 - Carlos Jasso/Reuters
O escritor Mario Vargas Llosa durante o 6º Congresso Internacional da Língua Espanhola, no Panamá, em outubro de 2013 Imagem: Carlos Jasso/Reuters

Jorge Ramos

Em Madri (Espanha)

25/09/2014 00h04

"Não tenho Twitter. Não tenho Facebook. Não atendo o telefone. Não abro a porta."

Mario Vargas Llosa, o Prêmio Nobel de Literatura 2010, fala sem pressa e sem esconder nada, junto à biblioteca de seu apartamento na capital espanhola.

"Tenho uma mulher maravilhosa que faz todas essas coisas e me facilita para que eu possa me dedicar fundamentalmente ao que gosto, que é ler e escrever."

Também não usa o Google. Em troca, uma dúzia de dicionários descansa sobre a escrivaninha, perto de uma janela, onde escreveu seus últimos três romances.

"A modernização para mim é um pesadelo", afirma, com os braços cruzados sobre a camisa azul e muito no tom das críticas que fez em seu livro "A Civilização do Espetáculo".

"Oitenta ou 90% [dos tuítes] são despropósitos, bobagens, coisas de ociosos."

Pode-se dizer "tuitar", "blogar" e "facebookear"?, pergunto-lhe.

"Soa horrível, eu não digo. Parecem-me palavras feias, obscenas, vulgares, todas parecem emprestadas de outras línguas."

Vargas Llosa, 78 anos e mais de 20 romances, não quer se transformar em estátua.

"O Prêmio Nobel transforma uma pessoa em uma espécie de figura pública", explica, enumerando os reconhecimentos, coquetéis, doutorados "honoris causa", comitês e entrevistas que tem de rejeitar para continuar escrevendo. "Não me queixo de ter recebido o Nobel, estou muito contente, mas tenho que dedicar muito mais tempo a defender meu tempo."

Eu era, ficou claro para mim, uma dessas pressões midiáticas "invasoras" que lhe tiram o tempo de escrever. Mas aguentei a pena e lhe fiz perguntas durante quase uma hora. Tinha viajado a Madri para entrevistá-lo sobre a adaptação para a televisão de seu romance "A Festa do Bode". A novela se concentra na brutalidade, na crueldade e no apetite sexual com que o ditador Rafael Leónidas Trujillo governou a República Dominicana de 1931 a 1961.

O ditador Trujillo morreu assassinado em um carro. Então, pergunto a Vargas Llosa: é válido matar o ditador?

"Eu creio que sim; um ditador como Trujillo, sem dúvida", responde. "O tiranicídio é algo perfeitamente legítimo. Os assassinos de Trujillo não foram realmente assassinos, mas justiceiros."

E Cuba?, pergunto. Para o senhor, Raúl e Fidel Castro são ditadores?

"Absolutamente", diz. "Eu creio que aí se fecharam todos os espaços." Eu continuo: "Se o senhor justifica a morte de Trujillo, é válido tentar matar os Castro?" Vargas Llosa se detém. "Olhe, creio que em cada caso é preciso estudar o contexto", diz. "Não posso definir a estratégia que corresponde, no caso de Cuba, porque não estou lá, não vivo lá dentro."

Passamos à Venezuela e ao líder do regime pós-chavista. "[Nicolás] Maduro é um ditador", declara sem ambivalências. "Maduro utiliza cada vez mais a repressão para combater a oposição. Foi fechando os espaços de crítica." Depois me dá uma lista: "A Venezuela tem a inflação mais alta do mundo... o país se transformou no mais violento. A corrupção, em vez de diminuir com a revolução, aumentou as diferenças sociais... A televisão é totalmente controlada pelo governo através de testas-de-ferro... É um fracasso total."

No entanto, esclarece, "conheço muitos dirigentes da oposição e não ouvi nenhum dizer que é preciso matar Maduro; eles pensam, e creio que com razão, que ainda é possível resistir dentro da legalidade a uma ditadura".

As críticas de Vargas Llosa, agradem ou não, são ouvidas no mundo. Em 1990, chamou de "ditadura perfeita" os governos abusivos e criminosos do PRI no México, e uma década depois veio a democracia. "Não era tão perfeita, felizmente", corrige hoje com um sorriso. "Mas isso se deve em grande parte a alguém do PRI que foi capaz de trair o PRI, que é [o ex-presidente Ernesto] Zedillo. Tenho muita admiração por Zedillo."

Com o retorno do PRI à presidência no México, o senhor se preocupa com o regresso da "ditadura perfeita"? "Creio que não vai voltar", calcula. "Sim, há mafiosos dentro do PRI. Sem dúvida nenhuma, está cheio de mafiosos ainda. Mas esses mafiosos têm que se cuidar muito agora, porque há verdadeiros partidos políticos de oposição."

Quem tanto fala de presidentes um dia tentou sê-lo, no Peru. Mas não foi um bom candidato, reconhece. "Para dizer a verdade, eu não queria ser presidente. Fui empurrado pelas circunstâncias a ter um papel político, algo com que nunca havia sonhado nem desejado."

Em 1990, perdeu as eleições para Alberto Fujimori, mas insistiu em participar politicamente da vida do Peru. Keiko Fujimori é a favorita nas pesquisas para ganhar as eleições presidenciais de 2016. Isso é algo que Vargas Llosa tentará evitar. "Keiko é a filha de um assassino e um ladrão", disse. "Eu não quero que a filha, que, se subir ao poder, a primeira coisa que vai fazer é tirar Fujimori [da prisão], ganhe as eleições. Então é claro que vou me opor."

Falamos de tudo, menos do soco no olho que recebeu em 1976 do escritor colombiano Gabriel García Márquez. "Fizemos um pacto tácito, não explícito, com García Márquez, de não tocar no tema que interessa aos mórbidos e aos fofoqueiros", explicou. "Ele o respeitou e eu vou respeitá-lo até o final."

Meu tempo se acabava e ainda me restavam curiosidades literárias muito mais concretas, como o que está lendo, o que o surpreende? "Olhe, eu leio mais os mortos que os vivos. Leio mais sem correr riscos que antes e faço coisas que não fazia antes: se um livro não é capaz de prender minha atenção, o deixo e não o leio."

Cometi o erro de lhe perguntar sobre o escritor japonês Haruki Murakami, que é um sucesso de vendas no planeta. Mas Vargas Llosa me interrompeu. "Não gosto de Murakami. Parece-me frívolo. Creio que é profundamente superficial."

E dos vivos, a quem lê? "Na Espanha, há um escritor esplêndido que se chama Javier Cercas. Para mim, é um dos grandes escritores contemporâneos. Infelizmente, não é tão reconhecido quanto deveria." E depois me deu outro nome. "No Peru, se publicou há pouco tempo um romance que me parece muito ambicioso, um pouco na contracorrente, que é o de Jeremías Gamboa, 'Contarlo Todo'." E, como o "efeito Oprah", tenho certeza de que esses dois escritores venderão muito mais livros a partir de hoje, graças ao fato de Vargas Llosa os ler e citar.

Terminamos com algo ainda mais pessoal. Vargas Llosa é agnóstico e não quer retificar, como fez,  segundo ele me conta,  Jorge Luis Borges antes de morrer. Não tem medo de morrer? "Morrer não me causa medo. Creio que a morte é responsável pelas melhores coisas da vida. A vida, se não existisse a morte, seria muito aborrecida."

E encerrei com isto: por que escreve?

"Porque, como dizia Flaubert, escrever é uma maneira de viver. Toda a minha vida está organizada em função do que estou escrevendo e do que vou escrever. Não conceberia uma vida diferente."