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'Doutora' do ebola diz que América Latina não está preparada para o vírus

Jorge Ramos

16/10/2014 00h01

A doutora Aileen Marty não quis apertar minha mão. Sorriu, disse que era um prazer me conhecer, e só. Estendi minha mão e ela não estendeu a sua. Depois veio sua explicação: acabava de chegar da África e lá aprendeu a cumprimentar sem o aperto de mãos. Isso salva vidas, disse-me.

A médica aproximou-se de mim amavelmente e juntou seu cotovelo direito com o meu. Depois o empurrou suavemente, como em uma brincadeira. "Assim se cumprimentam na Nigéria", disse. Depois me ensinou outro cumprimento. Fechou sua mão direita em um punho e me pediu para fazer o mesmo. Em seguida, aproximou seu punho do meu, mas sem tocá-lo. Essa é a saudação "bluetooth", disse-me, referindo-se à tecnologia que permite conectar aparelhos eletrônicos sem um cabo.

Marty parece uma médica de filme. Nasceu em Cuba, é especialista em doenças infecciosas, dá aulas na Universidade Internacional da Flórida, em Miami, e a Organização Mundial da Saúde a manda aos lugares mais perigosos do planeta para tentar controlar epidemias. Foi assim que passou 31 dias na Nigéria.

Como se iniciou a epidemia de ebola?, pergunto-lhe. "Ninguém sabe por que ou como o ebola chegou a essa parte da África", explicou. Depois, ela especula sobre uma teoria, impossível de comprovar, de morcegos contaminados com ebola. Os nigerianos comem morcegos e, possivelmente, comeram um que não estava bem cozido. Isso realmente não sabemos. O que sabemos é que milhares de africanos em Serra Leoa, Libéria e Guiné estão infectados, muitos morreram e o resto do mundo está aterrorizado de que lhe aconteça o mesmo.

Na Nigéria, a doutora Marty foi encarregada de estabelecer um sistema em aeroportos e fronteiras para impedir que alguém contaminado com o vírus do ebola entre ou saia do país. E o conseguiram. "Na Nigéria, conseguimos extingui-lo", disse-me com um enorme sorriso.

Os problemas começaram quando ela voltou aos EUA. Viajou de Lagos, na Nigéria, para Frankfurt, Alemanha, e ninguém a revisou ao aterrissar. Fez uma conexão e voou de Frankfurt para Miami. Ali também ninguém a revistou. Nem sequer lhe fizeram uma pergunta.

"Não fui revistada", disse-me, incomodada e surpresa. "Ninguém. Eu escrevi no cartão de desembarque que estive na Nigéria, e ninguém se importou. Saí como se nada houvesse. Isso me preocupou."

Isso explica perfeitamente como ocorreu o primeiro caso de ebola nos EUA. O liberiano Thomas Duncan chegou a Dallas contaminado pelo vírus e ninguém o deteve, o examinou ou lhe fez qualquer pergunta. Ninguém. Ele entrou como quem chega à sua casa e pouco depois morreu.

Os EUA reagiram tarde e mal, mas reagiram. Aqui não querem proibir os voos que vêm dos países mais infectados. Só tomarão a temperatura dos passageiros. Mas pelo menos há plena consciência do perigo do ebola, e o presidente Barack Obama o classificou como prioridade de segurança nacional. Não é o caso na América Latina.

Na região, "não estão preparados" para enfrentar casos de ebola, disse a médica. "A preparação é coisa de muitos níveis. O nível número 1 é perceber que uma pessoa tem ebola. Número 2, é preciso ter os remédios para curar a pessoa, proteger os médicos e enfermeiras que tratam essas pessoas e preparar o quarto que será utilizado." Depois veio uma opinião estarrecedora: "Nas últimas vezes em que estive na América Latina não vi que estivessem preparados."

Em outras palavras, tivemos sorte. Se Duncan tivesse aterrissado no México, na América Central ou no Caribe, em vez de Dallas, poderíamos estar diante de uma epidemia letal de enormes proporções. Mas o risco continua presente.

A doutora Marty aprendeu a não confiar na sorte. "Antes de entrar em minha casa, levei toda a minha roupa à lavanderia e a lavei com cloro", contou. Todos os dias ela tira sua temperatura pelo menos duas vezes --a febre é o primeiro sinal de possível contágio por um vírus-- e evita cumprimentar as pessoas dando a mão. "Isso reduz todo tipo de enfermidade infecciosa."

Seu objetivo é pôr na moda a saudação com os cotovelos. Disso ninguém morreu.

P.S. mexicano: A resposta do presidente Enrique Peña Nieto a dois massacres (Tlatlaya e Iguala) foi "insuficiente", segundo a Human Rights Watch, morna e sem assumir a responsabilidade. Ele convocou uma entrevista coletiva, mas não permitiu que os repórteres fizessem uma única pergunta. Desde que assumiu o poder, sempre evitou esse tipo de intercâmbio com a imprensa. O silêncio oficial diante do crime e da impunidade, mais que uma estratégia de comunicação, é medo, erro e falta de visão e liderança. Os mortos não podem se esconder. Quando seu Exército assassina civis e a polícia entrega estudantes a narcotraficantes para matá-los, é porque o teatrinho caiu. Cheira a podre, cheira ao velho PRI.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves