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Quando há abusos de poder, o jornalismo tem que ser contrapoder

Jorge Ramos

06/11/2014 00h01

Como jornalistas, somos obrigados a reportar que há muitos mexicanos que pedem a renúncia do presidente Enrique Peña Nieto. E não relatar esse fato seria mentir, fazer o jogo do governo ou, pior ainda, autocensura.

Milhares pediram sua renúncia da presidência nos diversos protestos pelo desaparecimento de 43 estudantes e nas redes sociais. Os depoimentos, os vídeos e os tuítes estão aí. Não estamos inventando nada. Então, falemos a respeito.

Por que pedem sua renúncia? Por ser incapaz, por não conseguir enfrentar a violência que aterroriza o país, pelos elevados índices de impunidade e corrupção, por ter uma política de silêncio diante do crime e sobretudo pela terrível e demorada reação diante do desaparecimento dos 43 estudantes em Guerrero.

Peña Nieto atuou com incompreensível indiferença e negligência: demorou 11 dias para falar em público desde que ocorreram os desaparecimentos; negou-se a realizar uma única entrevista coletiva ou a um jornalista independente (na verdade, não respondeu a uma só pergunta sobre o assunto); e demorou 33 dias para se reunir com os pais dos estudantes desaparecidos. Todos erros. É exatamente o que um presidente nunca deve fazer.

Um presidente nunca deve se esconder, e Peña Nieto se escondeu. Coube-me cobrir muitas crises internacionais, e os presidentes em geral saem a público, respondem a perguntas e assumem a responsabilidade pelos fatos. Não é o caso de Peña Nieto. E quando o presidente não preside e se encolhe, deixa o país à deriva.

No México, os presidentes não renunciam. Há poucos casos em nossa história --ficam seis anos no poder, aconteça o que acontecer. Mas a Constituição mexicana contempla uma saída. O artigo 86 diz: "O cargo de presidente da República só é renunciável por causa grave, que qualificará o congresso da união, diante do qual se apresentará a renúncia". É causa grave o que está acontecendo no México em relação a insegurança, impunidade e incapacidade de governar?

Dados. Uma pesquisa do Inegi confirma que o primeiro ano de Peña Nieto foi pior que os dois últimos de Felipe Calderón. Em 2013, houve 10,7 milhões de lares que sofreram algum delito; 67% da população diz que viver em sua cidade é inseguro; 93,8% dos crimes não são denunciados, em sua maioria por desconfiança da autoridade. Houve mais sequestros no primeiro ano de Peña Nieto do que em qualquer dos seis de Calderón, segundo a Secretaria de Governo. E 2014 também vai mal.

Quantos mexicanos querem a renúncia de Peña Nieto? Ainda não há uma pesquisa que tenha se atrevido a perguntar. O que é certo é que para milhões de mexicanos Peña Nieto não ganhou honestamente a eleição de 2012, e essa percepção de ilegitimidade complica seu mandato. Além de ter uma eleição questionada e um apoio minoritário --só 38% dos votos, agora não pode com o cargo. Ficou grande para ele. E isso é grave.

Diante da violência, Peña Nieto foi um presidente frágil, fugidio. Praticamente se esfumou diante da chacina do Exército contra 22 civis em Tlatlaya e diante dos mortos de Guerrero. Longe ficaram os discursos triunfais pelas 11 reformas e a construção do novo aeroporto da capital.

Mas Peña Nieto não vai apresentar sua renúncia nunca. Nem este Congresso, com suas alianças e cumplicidades, se atreveria a sugeri-la. O governo certamente dirá que os pedidos de renúncia ao presidente são produto de um pequeno grupo de radicais e ressentidos. Mas não é verdade. Isto aponta para um vibrante e nascente movimento cívico e democrático. A marcha ao Zócalo em 22 de outubro foi uma das maiores deste século no México. Impossível não ver.

É irônico que um dos presidentes mais jovens que teve o México tenha perdido o apoio dos jovens. Duvido que o presidente possa ir hoje a alguma universidade do país. O futuro já deu as costas a Peña Nieto. E não haverá viagem internacional sem protestos pelas violações dos direitos humanos no México.

Pedir a renúncia de Peña Nieto é, por enquanto, só um exercício de liberdade e de protesto. E como repórteres devemos contar isso. Quando há abusos de poder, o jornalismo tem que ser contrapoder.