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Peña Nieto aposta na 'arte da festa' para reconquistar a confiança dos mexicanos

Jorge Ramos

05/01/2015 00h01

No México, já tivemos todo tipo de presidente, mas não tivemos presidentes pequenos e sem força. Enrique Peña Nieto luta para não ser um presidentezinho. O ano de 2015 será crucial para ele e para o país. Por isso, Peña Nieto está apostando nas festas de final de ano. Ele precisa - urgentemente - de um alívio.

Como nós, mexicanos, gostamos das festas! Já dizia Octavio Paz em seu "Labirinto da Solidão": "O mexicano solitário ama as festas e as reuniões públicas. Tudo é ocasião para se reunir. Qualquer pretexto é bom para interromper a marcha do tempo." A pergunta é se as festas de Natal e Ano Novo foram capazes de interromper a marcha do tempo e deter a terrível situação do presidente.

A aposta de Peña Nieto é que as festas de fim de ano tenham apagado da memória dos mexicanos os 31 mil mortos de seu governo, a sua enorme incapacidade de lidar com a crise dos 43 estudantes desaparecidos, as casas que uma empreiteira contratada pelo governo financiou para sua mulher e seu secretário da Fazenda, e os pedidos de milhões de pessoas para que ele renuncie. Quer dizer, Peña Nieto apostou em dezembro - e na "arte de la fiesta", muito característica dos mexicanos - para que possa começar de novo em 2015.

Não sei se os mexicanos vão deixar.

É impossível esquecer a forma torpe com que o presidente lidou com o ataque aos 43 estudantes em Guerrero e seu desaparecimento. Uma reportagem investigativa de Anabel Hernández e Steve Fischer indicou que o exército e a polícia federal - não só os policiais locais - participaram da operação. O governo disse que a acusação é falsa. Mas, verdade ou não, Peña Nieto demonstrou uma incapacidade impressionante de enfrentar a criminalidade. E, o que é pior, não apresentou um plano realista para evitar que outros massacres voltem a se repetir. O ano de 2015 promete ser vermelho.

É impossível esquecer o gigantesco conflito de interesse na compra das duas casas. Uma empreiteira contratada pelo governo - Grupo Higa - financiou a casa da mulher do presidente em Las Lomas e a do secretário da Fazenda, Luis Videgaray, em Malinalco. A legalidade dessas aquisições é muito questionável. Em ambos os casos, o valor real dessas propriedades no mercado - US$ 7 milhões (R$ 18,8 milhões) no caso da de Angélica Rivera e até US$ 1,2 milhões (R$ 18,8 milhões) no de Videgaray, segundo informaram respectivamente o AristeguiNoticias.com e The Wall Street Journal - é superior ao que dizem ter pagado. Aí existe uma linha de investigação por possível tráfico de influência ou suposta venda de favores. O problema é que ninguém vai investigar.

E ainda que a compra das casas tivesse sido legal, não é ética. Em muitos outros países, o ministro teria sido demitido e o presidente, obrigado a renunciar. Isso gera outra crise de legitimidade. Milhões de mexicanos creem que Peña Nieto ganhou as eleições de 2012 com fraudes, e muitos outros creem, também, que houve fraude na aquisição destas propriedades. O problema mais grave é que Peña Nieto disse, em particular, segundo reportou o Milenio, que não vê nenhum conflito nisso, nem vai se desculpar. Se o presidente não dá o exemplo na luta contra a corrupção, quem vai fazê-lo?

Durante todo o ano passado, os mexicanos se atreveram a pensar o impossível. O que aconteceria em um México sem Peña Nieto? Se ele renunciasse, quem o substituiria? Como adiantamos as eleições? Mudamos a Constituição? Como assegurar que quem vier não será pior? Como ter uma transição pós-Peña sem caos nem violência? Que faremos com os três grandes males do México: o crime, a corrupção e a desigualdade? Essas são as dúvidas mexicanas.

Quase todos nossos presidentes foram duros. Nunca lhes faltou poder. Ao contrário, sobrou, e muito. Peña Nieto, por sua vez, apresenta-se como um presidente fraco, alvo de chacota e incapaz de liderar um país tão complexo. E não há nada mais perigoso do que um país sem líder e à deriva.

O melhor do México em 2014 esteve nas ruas e nas redes sociais. São os mexicanos que não desistem. É verdade, Peña Nieto e seu governo se meteram com a geração errada.

A aposta dezembrina de Peña Nieto na falta de memória dos mexicanos é um erro. Embora - como recordava Octavio Paz - "em poucos lugares do mundo pode-se viver um espetáculo parecido com as grandes festas" que temos no México, toda festa termina.

O golpe de realidade para Peña Nieto virá na terça-feira, 6 de janeiro de 2015, nos Estados Unidos. O presidente Barack Obama tratará de abrigá-lo no calor da Casa Branca (a de Washington). Mas a imprensa internacional não o deixará em paz. Ela já descobriu que o México que Peña Nieto tentou nos vender era falso.

Como Paz havia advertido: "mascara o rosto, mascara o sorriso."