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Jornalistas: nosso negócio não é ficarmos calados

15/01/2015 00h01

Poderia ter sido eu, ou qualquer de meus companheiros jornalistas. O brutal ataque contra os integrantes da revista satírica "Charlie Hebdo" em Paris, que deixou 12 mortos, foi também um ataque contra todos os que exercemos o jornalismo em qualquer lugar do mundo.

Os atacantes imbecis acreditam que, matando-nos, vão nos calar. Não percebem que quando assassinam um jornalista outros mil retomam suas batalhas.

De fato, a consequência imediata da chacina de comunicadores na França é que o conteúdo da revista - que tanto ofendia aos atiradores - foi reproduzido milhões de vezes nas redes sociais e no resto do planeta.

Não importa que o conteúdo da revista fosse ofensivo, racista ou antirreligioso. Isso é absolutamente irrelevante. Se você não concorda com algo em um meio de comunicação, então retruca, discute, argumenta, ignora ou questiona, mas não censura, silencia, golpeia ou manda matar. Isso se aplica igualmente na França, na Síria ou no México.

Matar jornalistas não é novidade. A novidade é a influência global e a independência inquestionável de muitos jornalistas nesta era digital. É o fim da censura. Mas ter mais poder e visibilidade também significa ser alvo crescente de ataques de grupos e governos intolerantes.

O ataque em Paris foi planejado minuciosamente e tinha por objetivo assassinar jornalistas envolvidos na publicação de uma revista que zomba de todas as religiões e que destrói mitos com humor. Na Síria se recorreu à execução de correspondentes estrangeiros para vingar as operações militares dos EUA no Iraque e no Oriente Médio. E no México o crime organizado e a incrível negligência do governo transformaram o país em um dos mais perigosos do mundo para se ser jornalista.

No México mataram 97 jornalistas de 2010 até hoje, segundo a Comissão Nacional de Direitos Humanos. Só no estado de Veracruz assassinaram dez repórteres em quatro anos. Desde 2006 atacaram as instalações de 42 meios de comunicação no México. E a maioria desses crimes foi realizada com absoluta impunidade.

Graças a jornalistas corajosos e combativos como Julio Scherer, hoje no México se pode dizer qualquer coisa. Scherer abriu o caminho para nós. O risco foi enorme. Criticar presidentes foi quase impossível no México durante décadas. Mas Scherer foi brutal com o poder e não vendeu seus princípios por "jabás", como muitos jornalistas faziam (e continuam fazendo).

Hoje o presidente Enrique Peña Nieto não pode censurar de modo geral o rádio, a imprensa escrita e a televisão, como faziam seus antecessores do PRI. Mas, com a cumplicidade de muitos veículos da mídia, tentou apresentar um México que não existe. É a estratégia do avestruz. O problema é que o avestruz já ficou sem cabeça.

A incompetência e a negligência governamentais no desaparecimento de 43 estudantes em Iguala é notícia mundial. Barack Obama o mencionou em 6 de janeiro na Casa Branca. E não se podem culpar jornalistas independentes por reportar sobre o enorme conflito de interesses na compra das casas da esposa do presidente e de seu secretário da Fazenda, Luis Videgaray.

Foi assim que relatou "The New York Times": "Peña Nieto foi atingido pelas revelações de que sua esposa e seu ministro das Finanças compraram casas de um conhecido empreiteiro contratado pelo governo".

Poucos jornalistas mexicanos continuam fazendo reportagens sobre a chamada "casa branca mexicana" e a casa em Malinalco de seu principal assessor. Muitos cederam à pressão do governo Peña Nieto. Mas, por mais que tentem, não há maneira de censurar as reportagens de veículos estrangeiros.

Quando há dúvidas sobre o que fazer como repórteres ao enfrentar o poder, basta nos perguntarmos: o que teria feito Julio Scherer? Ou Elena Poniatowska? Exato. A resposta é: continuariam investigando e reportando até as últimas consequências. Graças a Elena e sua "Noche de Tatlelolco", temos um valioso depoimento em primeira mão do massacre de 1968.

A corajosa entrevistadora italiana Oriana Falacci dizia que ser jornalista é ao mesmo tempo um privilégio e uma responsabilidade. Não conheço ofício mais bonito.

Mas nos obriga, também, a cantar verdades aos que detêm o poder e aos intolerantes. E isso às vezes custa a vida, como ficou demonstrado esta semana na França.

Nosso negócio não é ficar calados.

(Em memória de Julio Scherer.)