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As três casas e o avestruz

O presidente do México, Enrique Peña Nieto - Reuters
O presidente do México, Enrique Peña Nieto Imagem: Reuters

29/01/2015 00h01

A coisa é feia, muito feia, e cheira a podre. Os dados são simples: o presidente do México, Enrique Peña Nieto, sua esposa, Angélica Rivera, e seu secretário da Fazenda, Luis Videgaray, compraram casas de empresas que mais tarde receberam milhões de dólares em contratos do governo federal e do Estado do México.

A pergunta é: houve contratos do governo em troca dessas três casas?

Não se trata de uma conspiração contra o presidente nem de um linchamento público. Trata-se, sim, de possíveis atos de corrupção nas mais altas esferas do governo mexicano.

E está claro que Peña Nieto, sua esposa e Videgaray pagaram ou estão pagando algo por essas casas. Esse não é o problema. O problema é que existe um claríssimo conflito de interesses quando quem vende ou financia essas casas depois recebe contratos governamentais multimilionários.

Venderam as casas por menos que seu valor real? Foram dadas condições preferenciais em troca de favores? Foram financiadas abaixo das taxas normais?

A última informação do "Wall Street Journal" diz que Peña Nieto comprou em 2005, quando era governador do Estado do México, uma casa na cidade turística de Ixtapan de la Sal por US$ 372 mil.

Depois, entre 2005 e 2011, a empresa da família San Román (CUISA), que lhe vendeu a casa, recebeu mais de US$ 100 milhões em contratos do governo do Estado do México, segundo o jornal.

Além disso, desde que Peña Nieto chegou à presidência, em 2012, a empresa dos San Román recebeu 11 contratos federais por cerca de US$ 40 milhões.

Como se fosse pouco, Peña Nieto aparentemente é compadre de um dos membros da família San Román: Roberto San Román Dunne é padrinho de primeira comunhão de Paulina Peña, filha do presidente, segundo uma fotografia publicada pela revista "Quién".

Se isto for verdade, então um dos beneficiados com contratos milionários seria compadre do presidente. Mais claro? (Lição para crianças do primário: não se dão contratos do governo a compadres, sócios, parentes e amigos.)

Além disso, há o assunto do dinheiro. Em uma entrevista em 2009, Peña Nieto me disse que não era milionário. Se não era milionário, então como fez um funcionário público para pagar uma casa de luxo - avaliada hoje em mais de 5 milhões de pesos?

Este não é, porém, o único conflito. Anteriormente, o "Wall Street Journal" havia relatado que o principal assessor do presidente em questões econômicas, Luis Videgaray, tinha comprado em 2012 uma casa em Malinalco de uma empresa (Higa) que depois obteve contratos milionários para construir estradas, um aqueduto e o hangar presidencial.

Essa mesma empresa é a que ainda financia uma casa de US$ 7 milhões em Las Lomas para a esposa do presidente Peña Nieto, segundo relatou originalmente o site Aristegui Noticias.

Três casas, três conflitos de interesses. Isto não é casualidade nem erro. Delata uma prática comum e recorrente no círculo mais próximo do presidente. O governo não vai investigar a si mesmo, e até o momento - incrível! - não há sequer uma investigação no Congresso. Mas o assunto é grave.

O que aconteceria se uma investigação independente considerasse Peña Nieto culpado de corrupção? Ele seria obrigado a renunciar. Isso explica os grandes esforços no Congresso e as pressões sobre a imprensa para que não ganhe força a ideia de um processo legal contra o presidente.

Mas, como jornalistas, somos obrigados a lembrar o indomável Julio Scherer. Certa vez escreveu que "não é [nossa] função agradar ao presidente nem servir ao governo". Também advertiu aos jornalistas sobre o "rito da adulação do poder" e para nunca "identificar o presidente com a pátria". Isto é, o México é mais importante que a sorte de seu presidente.

Enquanto isso, Peña Nieto esconde a cabeça como um avestruz. Não deu explicações públicas nem entrevistas sobre as novas acusações. Parece que a estratégia de comunicação da presidência é não expor mais o presidente, não deixá-lo falar sem "teleprompter" e apostar no esquecimento e na impunidade. E o presidente não percebe o enorme dano que está causando ao país, a seu governo e a sua reputação.

Mas esse novo escândalo tirou de Peña Nieto a pouca credibilidade que lhe restava e acabou com sua autoridade moral. Com que cara pode um presidente pedir aos mexicanos que lutem contra a corrupção, quando ele mesmo não está disposto a fazê-lo, e em sua própria casa?