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Presidente mexicano nomeia secretário para investigá-lo, mas contas não fecham

Peña Nieto (dir.) discursa ao lado de Virgilio Andrade, novo secretário da Função Pública - AP Photo/Rebecca Blackwell
Peña Nieto (dir.) discursa ao lado de Virgilio Andrade, novo secretário da Função Pública Imagem: AP Photo/Rebecca Blackwell

Jorge Ramos

12/02/2015 00h03

As contas não fecham para o presidente mexicano Enrique Peña Nieto. Sua frustração ficou clara quando, ao final de um discurso contra a corrupção, os jornalistas ficaram em silêncio e ele disse: "Já vi que não aplaudem". Efetivamente, até o momento não há nada para aplaudir.

O que poderia ter sido uma boa ideia é agora mais um conflito de interesse. A designação de um secretário da Função Pública, Virgilio Andrade, para investigar se houve conflito de interesse na compra de três casas - a do presidente mexicano em Ixtapan de la Sal, a de sua esposa, Angélica Rivera, em Las Lomas, e a de seu secretário da Fazenda, Luis Videgaray, em Malinalco - está gerando mais suspeitas.

Peña Nieto é chefe de Andrade. Ele o nomeia e depois lhe diz: investigue-me. Assim como seu chefe, Andrade é membro do PRI (Partido Revolucionário Institucional) e a qualquer momento o presidente pode demiti-lo. Longe de dar credibilidade à investigação, a enturva. Além disso, a designação não tem valor. Se Andrade demonstrasse uma independência inusitada e considerasse culpado de corrupção Peña Nieto, sua esposa e seu secretário da Fazenda, o presidente renunciaria? Demitiria seu "amigo" Videgaray? Sancionaria sua esposa?

Não, não e não.

Entretanto, demos algumas semanas a Virgilio Andrade. Sua honra e seu nome estão em jogo. Oxalá nos surpreenda e seja um verdadeiro "czar" anticorrupção. Se fizer direito seu trabalho, fará muitos tremerem. Se não o fizer, será objeto de zombaria pelo resto de sua carreira.

Aqui lhe envio, Virgilio, algumas perguntas sobre o presidente. Espero suas respostas.

1. O conflito de interesse na casa de Ixtapan de la Sal: em 2005, Peña Nieto compra a casa da empresa construtora dos San Román. Depois da compra, os San Román - segundo publicou o "Wall Street Journal" - obtiveram mais de US$ 100 milhões em contratos estatais, enquanto Peña Nieto era governador do estado do México (2005-2011), e pelo menos US$ 40 milhões em 11 contratos a partir do momento que Peña Nieto se torna presidente. Isto não é um conflito de interesse? Sócios, amigos, compadres e familiares não devem receber contratos governamentais.

2. Como foi paga a casa de Ixtapan de la Sal? Em sua declaração patrimonial, Peña Nieto diz que pagou pela casa à vista 5.611.195 pesos mexicanos em 27 de dezembro de 2005. Mas os salários de Peña Nieto nos cinco anos anteriores aparentemente não teriam bastado para pagar por essa propriedade. Como ele fez? É a pergunta. (Peña Nieto foi secretário de Administração do estado do México de abril de 2000 a outubro de 2002, com um salário de 119.927 pesos por mês, e deputado estadual de setembro de 2003 a janeiro de 2005, ganhando cerca de 75 mil pesos por mês. Esses números são do professor Ernesto Villanueva, do Instituto de Investigações Jurídicas da Unam.)

3. Pergunta sobre o dinheiro de Peña Nieto. Em uma entrevista na televisão em março de 2009, em Toluca, o então governador Peña Nieto me garantiu que não era milionário. "Não sou", disse-me. Perguntei-lhe se o que tinha no banco era a soma de seus salários. "Sim", respondeu-me. Se em 2009 Peña Nieto não era milionário, então como pagou - quatro anos antes e à vista - mais de 5 milhões de pesos por uma casa em Ixtapan de la Sal? (aqui está o vídeo da entrevista: bit.ly/1Jnl9bc)

4. Pergunta sobre fundos de investimento. Em sua declaração patrimonial (em 31 de dezembro de 2013), Peña Nieto diz ter fundos de investimento no valor de 12.999.479 pesos mexicanos. Se não era milionário em 2009, segundo me disse na entrevista, como conseguiu ser milionário em 2013? É a soma de seus salários? É a pergunta. (Peña Nieto ganhava como governador cerca de 160 mil pesos mexicanos por mês, disse na entrevista de 2009, e como presidente ganha 2.909.455 pesos por ano, de acordo com sua declaração patrimonial.

O próprio presidente sabe que as compras das três casas criaram muitas dúvidas. "Estou consciente de que deram a aparência de algo indevido, algo que de verdade não ocorreu", disse esta semana. Agora tem de prová-lo.

O pior que pode acontecer com Peña Nieto e com o México é que a investigação sobre conflito de interesses se transforme em outro conflito de interesse. E o perigo de que isso ocorra é enorme quando o presidente designa pessoalmente quem vai culpá-lo ou exonerá-lo.

Por isso, que Andrade faça seu trabalho e, ao mesmo tempo, que o novo Congresso nomeie um fiscal independente. Isto é importante demais para ser deixado para o presidente.