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O dia do silêncio

Jorge Ramos

19/03/2015 00h01

O que você realmente gostaria de fazer?

Esta é uma pergunta que certamente nos fazem várias vezes por ano. Geralmente a respondo com o básico e trivial: viajar para um novo lugar, entrevistar alguém interessante, escrever algo relevante ou ver velhos amigos. Na verdade, porém, muitas vezes quisera responder assim: nada, gostaria de não fazer absolutamente nada.

Estamos tão bombardeados pela informação e os estímulos, tão carregados de estresse e de um cansaço atrasado, que levamos nosso corpo e nossa mente ao limite do saudável. Por isso, quando vi o anúncio, quase dei um salto.

Neste sábado, 21 de março, os habitantes da ilha de Bali, na Indonésia, comemoram Nyepi, o Dia do Silêncio. Tudo se paralisa no paraíso. Ninguém trabalha nem dirige carro, o aeroporto, parques, teatros, restaurantes e praias são fechados, não há ruído de rádio ou televisão, os celulares e as luzes se apagam, não se organizam festas nem reuniões, não se fala nem se come.

Nyepi dura das 6h da manhã até a mesma hora do dia seguinte. Os únicos que trabalham são os policiais, que vigiam para que se cumpra essa tradição hindu. Mas até os que são de outra religião em Bali respeitam as proibições e aproveitam o Dia do Silêncio para jejuar e meditar. Nyepi vai contra o que fazemos todos os dias. É um alívio que não seria tão bem recebido em Nova York, Buenos Aires ou Cidade do México. Para muitos, na verdade, seria o próprio inferno.

A maior parte das pessoas que conheço dorme com seu telefone celular. Literalmente, não é exagero. Algumas o põem em vibrador, outras aproveitam a noite para carregá-lo e a primeira coisa que fazem ao acordar, antes de ir ao banheiro e dizer bom dia, é revisar as mensagens e chamadas perdidas, como se o mundo dependesse disso. (Confesso que eu durmo com meu celular. Sou um ciberpecador. Digo que é para não perder nenhuma notícia ou telefonema de emergência de algum parente. Mas todos sabemos que é uma vil desculpa.)

O celular é o novo vício. Todos os dias vemos nucas e dedos apertando botõezinhos. Um estudo da Universidade de Missouri relatou recentemente que as pessoas sofrem de ansiedade ao se separarem de seus celulares. Os pesquisadores puseram dois grupos para armar um quebra-cabeça e depois tiraram os celulares de um dos grupos. Os participantes que ficaram afastados dos telefones tiveram o ritmo cardíaco e a pressão arterial aumentados e demoraram mais para completar o quebra-cabeça.

Como me disse há pouco o comediante George López, uma das coisas que qualquer pessoa mais teme é esta ordem de seu parceiro ou parceira: "Dê-me seu telefone". Nele guardamos nossos segredos, os códigos, a lista de nossos afetos e dos vídeos vistos. Longe de ser um aparelho alheio a nossa vida, cada vez vivemos mais por meio dos celulares, transformando-os em uma parte essencial do que somos.

Entretanto, há uma corrente mundial que busca nos afastar deles. Para nosso bem. O escritor Pico Iyer, em seu novo livro, "A Arte da Quietude", propõe que nos sentemos, fiquemos quietos e em silêncio o maior tempo possível. Só isso. Em princípio, pareceria uma brincadeira. Mas em nos determos e desconectarmos poderia estar a verdadeira felicidade.

"Na era da velocidade, comecei a pensar que nada é mais animador que andar devagar", escreveu Iyer, um dos jornalistas de viagens mais reconhecidos do mundo. "Na era da distração, não há maior luxo do que prestar atenção. Na era do movimento constante, nada é mais urgente que sentar-se e ficar quieto."

Sentar-se sem fazer nada, concentrado na respiração. Por quanto tempo? Dez minutos ou duas horas, até que possamos vir de fora para dentro, até nos desconectarmos do mundo exterior e nos conectarmos ao nosso mundo interior. Sim, sei que parece uma onda "new age", impossível, pouco prática e até absurda. Quem tem tempo para nada fazer?

Bem, os habitantes de Bali têm. Uma vez por ano. A legendária sabedoria dos balineses lhes impôs um dia de silêncio. E ninguém o discute. Não conheço pessoas mais alegres e agradecidas que os balineses.

Esta pode ser uma coluna totalmente desperdiçada, é verdade. Mas, na próxima vez que alguém me perguntar "o que você quer fazer?", vou responder: ir em março para Bali comemorar Nyepi e não fazer nada.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves