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Cuba por dentro (e com medo)

Jorge Ramos

16/04/2015 00h01

Não há nada que assuste mais os ditadores do que perceber que as pessoas, as pessoas de verdade, não gostam deles. Os ditadores, em sua bolha, acreditam ser amados, temidos e necessários.

Bem, em Cuba, a bolha acaba de se romper, com a primeira pesquisa independente em mais de 55 anos.

Os pesquisadores, é claro, não pediram autorização. Funcionários da empresa Bendixen & Amandi treinaram cubanos da ilha para fazer mais de 70 perguntas a 1.200 pessoas em 16 províncias. A enquete --para as empresas Univision e Fusion (onde trabalho) e para o jornal "The Washington Post"-- é o melhor e mais preciso retrato que existe sobre a ditadura cubana. Finalmente conhecemos Cuba por dentro (e não as versões contrárias do exílio e do governo).

"Não pedimos autorização porque esse não é o protocolo em nenhum país", disse-me Fernand Amandi, um dos coordenadores da pesquisa. "Acabamos de fazer três pesquisas no México e também não pedimos permissão a Peña Nieto. Mas nosso temor era que pudessem nos descobrir e interromper em Cuba. O outro medo era que detivessem as pessoas que entrevistamos."

Foi oferecido o total anonimato aos pesquisados: não há registros de nome, telefone ou endereço. E finalmente, depois de duas tentativas fracassadas, em 2004 e 2006, o trabalho em campo foi realizado durante dez dias.

Uma das principais conclusões é que Cuba é uma ilha com medo. Por isso, é difícil saber o que realmente pensam os cubanos. Três em cada quatro cubanos têm medo de expressar suas opiniões em público. Não é para menos, em uma ilha onde não há democracia nem eleições multipartidárias, com prisioneiros políticos e uma constante repressão contra os dissidentes.

Outro dado forte é que os cubanos rejeitam seu sistema econômico (79%) e seus dois principais líderes: 48% têm opinião negativa sobre Raúl Castro e 50% também rejeitam Fidel Castro. Por isso há urgência de mudança.

"A pesquisa mostra uma população faminta de mudança radical e total", disse-me Amandi. Isso não é algo que os ditadores querem escutar. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e o papa Francisco são mais populares que Raúl e Fidel Castro.

Além de mudar de sistema de governo, os cubanos querem o mesmo que todos nós: internet (só 16% têm acesso); bons empregos e dinheiro (34% dependem das remessas do exterior); e --surpresa!-- ir morar no exterior: 55 em cada 100 cubanos querem viver em outro lugar. (Para ser justo, se perguntarmos o mesmo aos venezuelanos, mexicanos ou hondurenhos certamente veremos números igualmente altos.)

Cuba dirá que tudo isso é propaganda do império ou, pior, uma campanha de desprestígio coordenada pela CIA. Não é verdade. A pesquisa também é duríssima contra o governo norte-americano: 96% dos cubanos rejeitam o embargo ou bloqueio dos EUA contra a ilha.

A pesquisa nos permite ver como é uma ditadura por dentro e como aos poucos suas costuras estão se rompendo. Por isso, durante 55 anos, os Castro não permitiram uma. Mas não há nada que possa deter uma ideia quando seu tempo chega. E para os cubanos em Cuba este é o link da pesquisa (huelladigital.univisionnoticias.com/encuesta-cuba/). Oxalá a possam ler em Cuba, sem medo.

Nota sobre os "ex"

Os ex são muito corajosos. Agora se atrevem a fazer coisas que antes sequer consideravam. Refiro-me, é claro, aos 25 ex-presidentes latino-americanos que enviaram uma carta para denunciar a "alteração democrática" na Venezuela. Tradução: que na Venezuela os direitos humanos são violados e o presidente Nicolás Maduro governa como um ditador.

Muitos desses ex, quando estavam no poder, jamais levantaram a voz contra Maduro ou Hugo Chávez. Tarde, é verdade, mas se agradece sua intenção. É vergonhoso que a grande maioria dos atuais presidentes latino-americanos não tenha se atrevido a denunciar os atropelos na Venezuela durante a Cúpula das Américas. Mas já os conhecemos.

O mesmo ocorreu com a legalização da maconha. O único presidente em exercício que se atreveu a legalizá-la foi José Mujica, do Uruguai. Todos os outros chegaram tarde à festa. Cesar Gaviria, da Colômbia, Fernando Henrique Cardoso, do Brasil, e Vicente Fox, do México, esperaram até deixar o poder para apoiar a descriminalização da droga.

Que triste ter de esperar para ser um ex para dizer o que realmente se pensa.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves