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Entre os mexicanos perdura a sensação de que existem dois Méxicos

Mulher tira a blusa para protestar contra o desaparecimento dos estudantes da Escola Normal Rural Raúl Isidro Burgos, em Ayotzinapa, na Cidade do México, nesta sexta-feira (26) - Alejandro Ayala/Xinhua
Mulher tira a blusa para protestar contra o desaparecimento dos estudantes da Escola Normal Rural Raúl Isidro Burgos, em Ayotzinapa, na Cidade do México, nesta sexta-feira (26) Imagem: Alejandro Ayala/Xinhua

02/07/2015 00h01

"Descobri que o verdadeiro México é um país com uma Constituição e leis escritas tão justas em geral e democráticas quanto as nossas; mas onde nem a Constituição nem as leis são cumpridas." Isso foi escrito em 1911 pelo jornalista americano John Kenneth Turner, em seu livro "México Bárbaro". Mais de cem anos depois, a frase ainda é válida.

É claro, muita coisa mudou no México desde o Porfiriato e o início da revolução. Mas entre os mexicanos ainda perdura a sensação de que continuam existindo dois Méxicos: um pequeno, o dos governantes, dos ricos, dos privilegiados e seus amigos; e outro, maior, onde os abusos, a falta de justiça e de oportunidades são a regra.

Um dado: em 2013 os mexicanos sofreram 33,1 milhões de crimes, segundo pesquisa da Envipe. A maioria desses crimes, 31 milhões, não foi sequer investigada. Isso quer dizer que a impunidade no México em 2013 foi de 93,8%, porcentagem superior à de 2012 (92,1%).

Se somarmos os mais de 37 mil assassinatos desde 2012, as chacinas de Ayotzinapa e Tlatlaya e as acusações de corrupção pela compra da chamada "Casa Branca" de uma empreiteira contratada pelo governo (entre muitos outros conflitos de interesses), é fácil entender por que tantos mexicanos querem uma mudança. Não há nada estranho nisso, nem se trata de alguma conspiração internacional para enlamear a marca México. As coisas não vão bem.

Por isso nas últimas eleições ganhou o candidato independente Pedro Kumamoto, 25, para o Congresso do Estado de Jalisco. Por isso também Jaime Rodríguez, aliás El Bronco, se transformará no primeiro governador independente do Estado de Nuevo León. "Há uma irritação com os partidos políticos", disse-me ele em uma entrevista antes da votação. "Há uma irritação pelo tema da corrupção." (A entrevista pode ser vista aqui: https://www.youtube.com/watch?v=8GoT1ri-bu4)

Sim, é verdade, o México está irritado.

O PRI, partido no poder que controla a Presidência e o Congresso, teve de se adaptar às enormes pressões por mudança no México. Obteve apenas 29% dos votos nas últimas eleições.

Ficaram para trás os dias em que o candidato do PRI podia "ganhar" 100% dos votos em 1.762 seções, como fez o ex-presidente Carlos Salinas de Gortari na enorme fraude eleitoral de 1988. Mas ainda há uma enorme resistência, e se nota. O velho PRI não desapareceu e continua dando golpes: com difamações, abusos de autoridade, pressões contra a imprensa e uma bem azeitada máquina de corrupção.

Essa resistência é explicada perfeitamente pelo prêmio Nobel de economia Daniel Kahneman, em seu magnífico livro "Thinking, Fast and Slow" [pensando, depressa e devagar]. Sua teoria é que as pessoas e os sistemas tendem a regressar à média, ao normal, ao que estão acostumados. Mesmo que um corredor faça um tempo recorde em uma prova, eventualmente voltará a correr em seus tempos habituais. O mesmo acontece com os países.

O México precisa de uma mudança urgente. Alguma vez cheguei a pensar que estivesse pronto para uma revolução social (como na Guatemala, onde a vice-presidente foi obrigada a renunciar e as investigações de corrupção estão chegando às portas da presidência). Mas essa mudança não acaba de se concretizar em nível nacional. Os três partidos políticos tradicionais obtiveram a maior parte dos votos nas últimas eleições.

Apesar dos protestos, da pressão das redes sociais e da crescente crítica ao rumo incerto do país, a mudança está ocorrendo muito lentamente. Quer dizer, um Bronco por aqui e um Kumamoto por ali, mas o sistema se mantém quase intacto. Por isso o que Turner escreveu em 1911 soa tão verdadeiro hoje.

México bárbaro versão 2015? México bronco? Não, não por enquanto. É mais um México irritado e desconforme, mas ainda encolhido no que conhece. No entanto, os indignados são tantos que ninguém pode dormir tranquilo. E isso é bom.

Assim, inquieto, deve estar um país que quer se desfazer do que incomoda.