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Jantar com desconhecidos é um ótimo jeito de conhecer sua cultura

Jorge Ramos

Em Tel Aviv (Israel)

09/07/2015 00h01

Se o propósito de viajar é conhecer algo novo, não tinha muito sentido ir a Israel e jantar com as mesmas pessoas com quem trabalho. Estávamos fazendo uma reportagem para a televisão sobre o que separa --e une-- israelenses e árabes, e decidimos transformar dois jantares em parte de nossa investigação jornalística. Bem, eu nunca havia tido uma investigação tão deliciosa.

Como quase tudo nesta vida moderna, os acertos começaram com um aplicativo no celular. O extraordinário site EatWith.com, inventado em Israel, permite que você jante em casas particulares em várias cidades do mundo, incluindo Tel Aviv, Nova York, San Francisco e Barcelona [e São Paulo]. Por menos do que custa um restaurante, a(o) anfitriã(o) prepara para você uma refeição completa. Poucas vezes você sabe quem mais irá ao jantar. Isto é, a ideia é jantar com desconhecidos.

A única coisa que pedimos foi para jantar em Tel Aviv na casa de israelenses e na antiga cidade de Jaffa com uma família árabe. O resultado foi mágico, interessante e muito apetitoso.

Um casal gay, Keren e Yael, nos recebeu em sua casa térrea branca. Dois cachorros bem comportados nos farejaram e logo nos deixaram em paz. Keren era a chef e Yael fez o pão e serviu. A cozinha havia sido transformada em um laboratório. Prepararam sete pratos com vinho e vodca e arremataram com uma indescritível e viciante sobremesa de chocolate que chamaram de "chunky monkey".

Três casais israelenses nos acompanharam, e a conversa inevitavelmente entrou pela política. Nascidos depois da criação do Estado de Israel, em 1948, nenhum deles sabia o que era viver em um país em paz. "Vai piorar antes de melhorar", disse um dos convivas. "O que é necessário para a paz?", perguntei-lhes. Houve um breve silêncio e depois veio a resposta: "Só depende de um líder corajoso", disse outro comensal. "A história mostra que as decisões corajosas são tomadas por líderes corajosos."

Na noite seguinte fomos jantar na cidade portuária de Jaffa, com uma família árabe. A refeição foi extraordinária. A mesa completa se encheu de pratos cozidos por Ali, que usou receitas que passaram verbalmente de geração em geração. Parte do encanto da noite foi o intercâmbio de pratos e ideias.
Vinte por cento dos cidadãos de Israel são árabes e gozam de todos os direitos. Mas ainda há casos de discriminação. Sama contou-me que em cinco ocasiões não pôde fazer reservas em restaurantes unicamente por ser árabe.

O que fez? Em uma ocasião, mudou de nome para ir jantar, mas em outra, cansada da rejeição, processou o restaurante.

Sama, que também sabe defender seus direitos de cidadã israelense, tem uma vida familiar muito tradicional. "Aqui não saímos em encontros. Só nos comprometemos para casar", disse. Depois explicou que ela escolheu seu noivo --o primeiro e único que teve--, mas ele antes teve de passar pela aprovação de seu pai.

Laila, 17 anos, nos acompanhava no jantar. Usava um suéter com a bandeira dos Estados Unidos e o cabelo solto. As palavras de Sama a marcavam duramente, e seus olhos inquietos, por trás dos óculos, se rebelavam com fúria. Ela não queria seguir o mesmo caminho de Sama. Mas a tradição de sua família árabe parecia se impor: não a deixavam ter namorado e tampouco havia tido um encontro sozinha com um rapaz. Fiquei na dúvida sobre como seria sua vida dentro de dez anos: se rebelaria ou seguiria o caminho de Sama?

Os dois jantares, desnecessário dizer, foram lições culinárias e de cultura maravilhosas. Não teria comido tão bem nem aprendido tanto em dois restaurantes com meus próprios amigos.

Por meio de um aplicativo em meu celular, pude entrar na sala, sentar à mesa e dar uma espiada no coração de duas famílias em Israel. Há muitas maneiras de se conhecer um país. Os "tours" me dão urticária, e depois de tantos anos como jornalista aprendi a desconfiar das recomendações para turistas. Por isso continuo lembrando, quase com nostalgia, desses dois jantares.

Jantar com desconhecidos foi, simplesmente, delicioso.

(P.S.: aqui está a reportagem de televisão)