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Imigrantes de Puebla fazem em Nova York o que ninguém quer fazer

Músicos mariachi tocam na Bolsa de Valores de Nova York, em maio de 2015 - Spencer Platt/Getty Images/AFP
Músicos mariachi tocam na Bolsa de Valores de Nova York, em maio de 2015 Imagem: Spencer Platt/Getty Images/AFP

Jorge Ramos

Em Nova York (EUA)

13/08/2015 00h04

"Visto de fora, (o México) parece muito dramático, como a guerra."

- Antonio Banderas (ator)

Eu os vejo por todo lado. Nos hotéis, nos restaurantes, nas construções e em qualquer lugar onde seja necessário fazer um trabalho difícil. São imigrantes mexicanos que vêm do estado central de Puebla, e que ajudam a fazer de Nova York a capital do mundo.

Chegaram durante anos, em série. Um trouxe o cunhado e seus filhos, outro a prima e outra ainda, os irmãos. Na cidade de Nova York vivem mais ou menos 500 mil mexicanos, e o maior grupo vem de Puebla. Deixaram um clima temperado e milhões de problemas econômicos para se adaptar a um inverno impossível e trabalhos em dólares - dólares para enviar ao México, para que seus filhos vivam melhor que eles, para sonhar que aqui, sim, é possível conseguir tudo.

Quando vou a um restaurante em Nova York, muitas vezes termino na cozinha. Há sempre histórias incríveis, salpicadas de risos, entre pratos que vão e vêm. Acabo de ir a um francês e a outro italiano, e a maioria de seus empregados era de Puebla. Aqui se reinventaram como chef, garçom, lavador de pratos, o que seja, para sobreviver.

Estão divididos. "Lá deixamos a família", contou-me Ramón, saindo de uma cozinha. "Mas o trabalho está aqui."

Nem todos têm papéis. Quando ouvem Donald Trump acusá-los de ser criminosos e violadores - segundo disse ao lançar sua candidatura presidencial -, sabem que Trump está totalmente equivocado. Eles construíram seus edifícios, eles colhem a comida que comem, eles cuidam de seus hotéis.

Estão aqui, mas pensando em lá. A saudade do México dói, sobretudo porque não podem retornar. Cruzar até os EUA lhes custou muito trabalho e dinheiro. A fronteira entre os dois países está mais vigiada que nunca. Ir a Puebla em visita, no verão ou no Natal, é um risco que não podem correr.

A saudade começa na língua e com o mole [molho condimentado, típico da culinária mexicana]. O melhor é o que vem em pasta de Puebla, em saquinhos de plástico, e basta acrescentar caldo de galinha. "Esse sim, tem gosto lá da terra", disse-me um de Atlixco. As notícias, por outro lado, eles ouvem no celular; chegam muito tarde em casa para vê-las na televisão.

Passei a última semana em Nova York e conversei com vários poblanos sobre o México. Isso acontece conosco que partimos: não conseguimos parar de falar do lugar que deixamos. Mas é uma linguagem codificada, difícil de acompanhar para quem não é mexicano. Falamos do "Piojo" e do "Chapo". Tradução: de como expulsaram o treinador da seleção mexicana de futebol por seus erros, e de como deixaram em seus cargos o secretário e os funcionários dos quais escapou da prisão o maior traficante do mundo. Rimos do absurdo, porque nada disso nos surpreende mais.

Eu fiquei muito chocado com o assassinato do jornalista de Veracruz Rubén Espinosa, e o comentei em uma conversa. Mais de 80 jornalistas foram assassinados no México na última década, segundo a Repórteres Sem Fronteiras. Quase todos esses crimes estão impunes. "A coisa no México está difícil, não?", disse-me resignado um garçom poblano, entre a massa e a sobremesa. E o pior é saber que Rubén não será o último.

Com a desvalorização do peso mexicano, rendem muito mais os dólares que enviam. Em Tenango de las Flores ou em Cholula, contam-me que é fácil saber quem recebe dólares: a casa está bem pintada, e às vezes tem um segundo andar.

Antes as mulheres e seus filhos esperavam os homens. Agora ninguém mais espera. Os que partem de Puebla - como todos sabemos - não voltam mais. É mais comum trazerem os que ficaram para trás. Como está difícil e perigoso cruzar a fronteira, os únicos que voltam, e por pouco tempo, são os deportados.

E pouco a pouco vou notando a mudança. Os poblanos que estão há mais tempo nesta cidade apressada falam menos de futebol e da política mexicana. Em troca, estão acompanhando mais o que diz "o tal Trump" e investigando que candidato presidencial poderia legalizá-los. Muitos de seus filhos já nasceram aqui, e portanto são americanos. E se tudo der errado, dizem, estão dispostos a ser a geração do sacrifício, a que se atirou pelos que vêm atrás.

Nova York tem uma enorme dívida com Puebla. Funciona, e funciona bem, por causa de milhares desses seres invisíveis que fazem o que ninguém mais quer fazer.

Sim, Nova York é uma grande cidade. Mas Puebla York é a que melhor me recebe.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves