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Histórias de frio, calor e aquecimento global

Jorge Ramos

10/09/2015 00h01

Nunca senti mais frio do que na metade do verão. Os locais mais frios estão quase sempre nos lugares mais quentes, como Miami, o Caribe ou a Índia. Sofro em escritórios gelados, casas congeladas e trens ou aviões que parecem cubos de gelo. Espero com ansiedade a chegada do outono, para que o frio acabe.

Produzir frio é tão caro que se transformou em sinal de status. Uma loja com o termostato muito baixo é um refúgio diante do calor agônico, embora, é claro, paguemos parte da conta do ar-condicionado nos produtos que compramos. Os que têm dinheiro o demonstram congelando-nos. Não conheço casas mais frias que as de Porto Rico e da República Dominicana, localizadas em ilhas onde a eletricidade é caríssima.

Nunca passei mais frio do que em um trem na Índia a caminho do Taj Mahal. Lá fora havia uma pobreza terrível, seca e um calor escorchante. Mas no vagão de primeira classe baixaram tanto a temperatura que muitos passageiros estavam tiritando. Tentei abrir a janela, mas estava selada com parafusos. Não havia tampouco alguma maneira de escapar para os suarentos e lotados vagões de segunda classe. Viajei em um gelo rodante e desci com as extremidades completamente adormecidas.

Nos estúdios de televisão onde passei a metade de minha vida são legendárias as brigas que temos com os engenheiros e os encarregados da manutenção. Cada vez que nos queixamos das correntes siberianas que saem das grades dos tetos, alguém nos garante que não é possível fazer nada porque as câmeras e os computadores não podem esquentar. Perdemos a luta contra as máquinas e os robôs. O pequeno armário no meu escritório está cheio de suéteres e abrigos de inverno. Sim, atrás de seu televisor há um apresentador com os pés roxos.

Nossa impressionante capacidade de produzir frio em pleno verão parece estar distorcendo as percepções dos candidatos presidenciais dos EUA sobre os perigos do aquecimento global. Muitos dos pré-candidatos do Partido Republicano negam que sejamos responsáveis pelo aumento da temperatura do planeta e sugerem que há necessidade de mais estudos. Bem, isso não é verdade.

Que o planeta está se aquecendo devido à poluição e à atividade humana não é questão de opiniões. É um fato. No estudo mais sério realizado a esse respeito - e corroborado pela Nasa -, 97% dos principais cientistas ambientais consultados concordaram que o aquecimento global é nossa culpa, sim. Negá-lo é uma absurda resistência ideológica para ganhar votos, com terríveis consequências em longo prazo.

Dois exemplos alarmantes. O último mês de julho foi o mais quente da história, e este ano terá temperaturas mais altas que qualquer outro, segundo a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (Noaa na sigla em inglês). Isso é impossível de negar.

Se o mundo continuar esquentando, várias áreas costeiras ficarão embaixo da água. A praia à qual eu costumava ir em Key Biscaine, na Flórida, foi comida pelo mar. Resta apenas uma faixa estreita coberta de algas.

O mesmo está acontecendo com a belíssima Riviera Maia no México. Em uma visita recente, o hotel onde me hospedei tinha perdido vários metros de areia branca para o mar que se aproxima, ameaçador, de quartos, restaurantes e piscinas. E ao sair de um mergulho no mar ficamos cobertos pelos sargaços que invadem a área devido à mudança climática. Os hotéis passam o dia limpando as algas e no dia seguinte aparecem mais. É como um filme ruim que não termina.

O problema não são só os furacões mais potentes e as inundações mais frequentes. A seca afeta lugares tão díspares quanto a Califórnia e Porto Rico. Os incêndios e tornados são cada vez mais violentos. O clima é tão extremo e mal comportado que os meteorologistas, que há alguns anos eram figuras secundárias nos noticiários, agora costumam ser seus protagonistas.

Trata-se de fazer algo antes que a mudança climática seja irreversível. Infelizmente, as principais empresas e nações poluentes do mundo tomaram a atitude irresponsável de quem veste o traje de banho em pleno verão sem protetor solar: acreditam que um pouquinho de sol e alguns graus a mais nos oceanos não matam ninguém. Presente quente, futuro incerto.

E a grande ironia é que neste verão, o mais quente, quase morri de frio.

(PS: Grande lição foi a que a Guatemala deu ao México. Efetivamente, o agora ex-presidente Otto Pérez Molina pôs as mãos no fogo pela ex-vice-presidente Roxana Baldetti - e se queimou. Tomara que Iván Velázquez, o investigador da ONU, dê uma voltinha pelo México quando terminar na Guatemala. Virgilio Andrade tem muito a aprender com ele. No México há algumas casas que queimam.)

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves