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Paz para meus amigos colombianos

Presidente da Colômbia Juan Manuel Santos espera fechar acordo de paz com Farc até 2016 - Fernando Vergara/AP
Presidente da Colômbia Juan Manuel Santos espera fechar acordo de paz com Farc até 2016 Imagem: Fernando Vergara/AP

08/10/2015 00h01

Meus amigos colombianos, que, para minha sorte, são muitos, não viveram um só dia em paz. Nenhum. Mas de repente o destino mudou. A paz é quase palpável.

O presidente Juan Manuel Santos e o principal líder das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), Rodrigo Londoño, conhecido por Timochenko, concordaram em Cuba que até março de 2016 assinarão a paz. Timochenko, 56, tem quase a mesma idade do conflito guerrilheiro que custou mais de 220 mil vidas e afetou milhões de pessoas.

Mas, com tantos anos de guerra, o curioso é o temor que muitos colombianos têm da paz. Não deixam de me surpreender os que preferem continuar lutando. É como se estivessem acostumados à violência, mas se algo ficou claro neste meio século é que nem o Exército nem a guerrilha conseguiram ganhar pela força. Experimentemos, portanto, algo diferente.

"Toca" é uma maravilhosa expressão colombiana que significa, ao mesmo tempo, responsabilidade e inevitabilidade. Se algo "toca", é que não há opções senão uma. E na Colômbia a paz "toca".

O papa Francisco --que falou três vezes com o presidente Santos para ajudar na negociação do conflito armado-- vê isso muito claramente. "Não temos direito a nos permitir outro fracasso neste caminho de paz e reconciliação", disse em sua recente visita a Cuba. Cada fracasso é medido em milhares de vidas.

Quantas vidas teriam sido salvas se o então líder das Farc, Manuel Marulanda, não tivesse deixado o presidente Andrés Pastrana plantado nas primeiras negociações de paz em Caguán, em janeiro de 1999. Esse é o episódio conhecido como da "cadeira vazia". As coisas claramente não saíram bem para Pastrana. Mas em uma conversa ele me disse que, algum dia, lhe darão crédito por ter sido o primeiro a tentar. Tem razão.

Não há paz perfeita. E, como a paz se faz com os inimigos, não há como os próprios líderes das Farc aceitarem longas penas de prisão para eles e seus principais colaboradores, quando se assinar a paz. É aí que a paz dói.

A Justiça e a prestação de contas para guerrilheiros, paramilitares e soldados que violaram os direitos humanos serão muito pobres. Essa é a realidade. "A verdade é que esse acordo permitiria que os responsáveis máximos pelos piores abusos possam se eximir de passar sequer um dia na prisão", disse José Miguel Vivanco, da Human Rights Watch (HRW),  organização de defesa dos direitos humanos. "É difícil imaginar que essa fórmula de justiça transicional supere um escrutínio rigoroso no Tribunal Constitucional colombiano ou, em última instância, no Tribunal Penal Internacional."

Tradução: esta paz cozida e emendada durante três anos vai deixar muitos assuntos pendentes. E é verdade que muitas das vítimas do conflito armado nunca verão seus carrascos pagar pelo que fizeram.

Um exemplo entre milhões. Quem vai pagar pelo sequestro - e os anos perdidos - de Ingrid Betancourt? A ex-senadora colombiana foi mantida como refém durante mais de seis anos pelas Farc. Seus captores responderão algum dia por seus crimes? Não sei o que Betancourt pensa em relação a esse trato proposto, mas lembro-me do que ela me disse, em 2008, pouco depois de ter sido resgatada por forças governamentais: "Fazia seis anos e cinco meses que todos os dias algo me doía, todos os dias fisicamente estava sendo picada por algum bicho, me arranhava em algum lugar, me doía alguma parte do corpo; esse horror dos horrores, essa presença hostil de arbitrariedades, de crueldade diária, de refinamento da maldade".

Quem será levado à Justiça por este e muitos outros crimes?

Muito poucos. Essa é a resposta mais honesta que temos.

Na Colômbia, a paz vai preceder a justiça. Depois que forem entregues as armas, que seque a tinta do acordo e vejamos os guerrilheiros meter-se no baixo mundo da política, talvez se possa explorar a ideia de uma comissão da verdade. Isso funcionou em outros países e não há razão para pensar que a Colômbia não poderia, com calma, olhar para trás.

Mas por enquanto o urgente é a paz. As reuniões em Havana não devem ser um novo Caguán. Outros milhares morrerão se houver outro fracasso.

Assim, de longe, não me atrevo a dizer não à paz. Não me atrevo a negar essa possibilidade a meus amigos e a seus filhos. "Toca."

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves