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Venezuelanos criam expressões para apimentar o debate politico

Pesquisas indicam vitória da oposição nas próximas eleições legislativas na Venezuela - MIGUEL GUTIERREZ/EFE
Pesquisas indicam vitória da oposição nas próximas eleições legislativas na Venezuela Imagem: MIGUEL GUTIERREZ/EFE

Jorge Ramos

03/12/2015 00h03

Não há nada que consiga deter um venezuelano irritado, e atualmente há muitos venezuelanos "até as tampas".

Por quê? A lista é longa: a inflação mais alta do continente; um dólar oficial com paridade falsa; índices de criminalidade semelhantes aos de zonas de guerra; grande corrupção; e a preocupação com uma fraude maiúscula, ou "chanchullo", nas próximas eleições para a Assembleia Nacional, no próximo domingo (6).

Com a maioria dos meios de comunicação tomados pelos pós-chavistas, ouvem-se poucas críticas ao governo no rádio e na televisão. É um "bozal de arepa" [focinheira de panqueca]. Há muita censura e autocensura. Mas, como vingança, os venezuelanos inventaram uma maravilhosa linguagem que descreve um país à beira do precipício.

A Venezuela está dividida entre "pitiyanquis" [amantes dos EUA] e "rojos rojitos" [vermelhos]. Os termos médios desapareceram. Se você é contra o governo de Nicolás Maduro, é, segundo sua definição, um "escuálido" [asqueroso]. Mas os que continuam no poder e enriqueceram às suas custas são chamados de "boli-burgueses": são os novos-ricos da revolução bolivariana iniciada pelo defunto líder Hugo Chávez em 1998.

Os líderes chavistas demonstraram que é possível ser, ao mesmo tempo, socialista e multimilionário em dólares. (Com a atual inflação qualquer um pode ser milionário em bolívares.) Por isso chamam de "robo-lucionários" os que multiplicaram inexplicavelmente seus "macundales" [bens materiais].

Venezuela tem uma linguagem própria para corrupção

Há todo um dicionário para descrever suas transações e corrupções. Portanto, não é estranho ter que "echarse unos palos" [tomar algumas doses] com os burocratas maduristas e "pagar pedágio" antes de negociar um "cozido". E sempre, claro, com uísque.

A Venezuela, por razões que ainda não compreendo, é um dos principais consumidores de uísque do mundo. O venezuelano pode ser identificado em Londres, Buenos Aires ou Tóquio pela maneira peculiar como remexe com o dedo o gelo em seu uísque.

Corrupção é o nome do jogo. Muitas vezes é preciso "molhar a mão" do funcionário público "conchudo" [abusivo] que dá uma autorização ou um serviço que deveria ser gratuito. Sempre ajuda estar "ligado" ou ser um "chupa-meias" de alguém que tem seu pedacinho de poder: o "tracalero" [espertalhão] que se beneficia dos dólares preferenciais, o que carimba o passaporte ou o que fica no cantinho da Petróleos de Venezuela.

Não importa quanto "billullo" [dinheiro] você tenha na Venezuela. Diante da crescente escassez de produtos básicos, é preciso "bachaquear" [contrabandear] ou fazer filas intermináveis. E sempre é preciso estar alerta para que ninguém o vá "caribear", ou enganar.

A vergonha foi se perdendo. O burocrata "pata'e rolo" [despreocupado] não se importa mais com nada, nem que gritem "mala-cama" [cama ruim] ou "toripollo" [frango-touro]. Atua com a arrogância do "muelero" [embusteiro] porque sabe que está acima da lei. Os pós-chavistas se consideram superiores. Sobreviveram à morte de seu líder histórico, demonstraram que existe chavismo sem Chávez e até qualificam de "manganzones", que não servem para nada, os que acreditaram que a oposição poderia desparafusá-los do poder.

Os opositores, nas conversas à luz de vela durante os apagões cada vez mais frequentes, consideram que Maduro é um "batequebra'o" ["taco quebrado", um inútil]. Mas isso não evitou que alguns artistas e cantores "pasteleros" [acomodados] tenham "saltado la talanquera" [a cerca] e passado das rebeliões da oposição à gritaria do governismo em um abrir e fechar de talões de cheque.

Essa criatividade ferina no uso da linguagem não é exclusiva dos venezuelanos. Em 2001 escrevi um artigo chamado "Come-solos e come-siempre", sobre os abusos de uma parte da classe política dominicana. Mas o artigo ainda se sustenta em boa parte e reflete a maravilhosa inventividade do povo dominicano para descrever alguns de seus líderes mais corruptos; alguns roubam sós e outros roubam sempre. Os nicaraguenses também inventaram o personagem "Güegüense" para dizer ao patrão com humor e ironia o que não se atreviam a dizer na cara.

Como os trocadilhos mexicanos, na Venezuela os insultos, carregados de humor ou bílis, se dirigem aos de cima. Foi duro para Maduro (embora ele veja passarinhos, caia da bicicleta e diga "penes" [pênis] em vez de "panes" [pães]). Tão duro quanto doces "quebra-queixo". Mas os venezuelanos têm a língua solta e "jurungan" tudo [dão um jeito].

A melhor vingança, porém, não está nas palavras, mas nos votos. As pesquisas sugerem que a oposição vai ganhar a maioria na Assembleia. Entretanto, ainda tenho minhas dúvidas: não confio em nenhum governo que conta seus próprios votos.

Mas, haja o que houver, na Venezuela a rua já votou com a língua, e a mudança se escuta.