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O massacre do dia

Velas são colocadas perto do local onde 14 pessoas morreram em San Bernardino (EUA) - Mario Anzuoni/Reuters
Velas são colocadas perto do local onde 14 pessoas morreram em San Bernardino (EUA) Imagem: Mario Anzuoni/Reuters

Jorge Ramos

10/12/2015 00h01

Foi um dia típico: levantei-me cedo, com um pouco de jet lag, suei muito na aula de ioga, paguei contas, escrevi um pouco, fiz algumas ligações. Fui ao estúdio para fazer uma entrevista com o chef José Andrés sobre como mudar o mundo com a comida e um pouco mais tarde passei cinco horas no ar na televisão reportando sobre o massacre do dia nos EUA.

Tudo normal.

As chacinas se tornaram parte da nossa vida neste país. A de San Bernardino, na Califórnia, chama a atenção porque foi praticada por um casal radicalizado, cuja missão, com quatro armas de guerra, deixou 14 mortos, mais que qualquer outra desde 2012. Mas, no fundo, é mais uma chacina.

"Outra vez" foi a manchete, com razão, do jornal "El Nuevo Herald" em sua cobertura na manhã seguinte. Independentemente dos motivos específicos para esta nova tragédia, os EUA se transformaram no país das chacinas. E continuarão sendo.

"Temos um padrão de tiroteios maciços neste país que não tem paralelo no mundo", disse o presidente Barack Obama depois do ataque. "Devemos nos unir de maneira bipartidária, em todos os níveis, para que esses tiroteios sejam uma coisa rara, e não a norma."

Mas isso não vai acontecer. Nenhum candidato presidencial se atreve a propor a proibição das armas de fogo. E até as ideias mais racionais, como impedir a venda de armas às pessoas na lista vermelha dos voos comerciais, são rejeitadas no Congresso. Conclusão: devemos nos sentar e esperar pelo próximo massacre.

Neste país, é muito mais provável que a cada dia haja uma chacina do que não aconteça nada. Nos primeiros 336 dias deste ano houve massacres em 209 dias, segundo análise do jornal "New York Times". Uma chacina é definida como um ato violento em que morrem ou são feridas quatro ou mais pessoas. Só neste ano foram assassinadas 462 pessoas e 1.314 ficaram feridas em chacinas nos EUA.

A lógica não funciona nesse assunto. A lógica diz que se houver menos armas disponíveis também haverá menos massacres. Por mais problemas pessoais, de trabalho, religiosos ou ideológicos que tenha uma pessoa, o dano que pode causar é muito limitado se ela não tiver acesso a armas de fogo ou explosivos. No Japão, por exemplo, é muito difícil adquirir rifles e pistolas, e portanto lá não se registram chacinas.

Esse debate deveria ter terminado quando mataram 32 pessoas na Universidade Virginia Tech em 2007. Mas nada aconteceu. Depois, 20 crianças e seis professores foram assassinados, em 2012, na Escola Sandy Hook de Connecticut. E também não aconteceu nada. Ao contrário, alguns argumentaram que era preciso armar os professores e alunos para que se defendessem.

Os EUA são uma nação aterrorizada e assediada pelas chacinas, mas que não se atreve a fazer absolutamente nada a respeito. As chacinas são tão frequentes que já sabemos de cor o ritual da morte: depois dos assassinatos há uma busca intensa pelos atiradores e seus motivos; depois conhecemos as histórias das vítimas; o presidente fala em rede nacional; os políticos prometem fazer mudanças; realizam-se os enterros e o incidente desaparece da mídia em algumas semanas.

Os EUA são um país, creio, que quando quer fazer algo usa todos os seus recursos para consegui-lo. Mas não quer impor mais controle ao uso e venda de armas. Os políticos não se atrevem. Por quê? Por medo de perder votos, doações e seu pedacinho de poder.

O medo e a ansiedade estão se transformando em algo normal. Ir a um cinema em Aurora, no Colorado, a uma igreja em Charleston, na Carolina do Norte, ou a uma festa de fim de ano em San Bernardino não deveria ser uma sentença de morte. Mas foi para dezenas de pessoas, em um país onde é mais fácil conseguir um revólver do que um remédio sem receita.

O normal, para mim, é reportar na televisão sobre uma chacina quase todos os dias. Só mudam o lugar e o número de mortos. E tola e ingenuamente cruzo os dedos para que no telejornal noturno não tenha de incluir entre as vítimas o nome de alguém que conheço.