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Espanha, o país das tertúlias

Vista aérea das Ramblas, o famoso calçadão e ponto turístico de Barcelona - Getty Images
Vista aérea das Ramblas, o famoso calçadão e ponto turístico de Barcelona Imagem: Getty Images

Jorge Ramos

17/12/2015 00h01

Só às sextas-feiras é possível subir ao segundo andar, por trás do altar, para tocar no Cristo de longa cabeleira na Basílica de Jesus de Medinaceli, em Madri. Há longas filas para entrar. Mas a espera serve para conversar, entre amigos e desconhecidos, sobre desde a última partida de futebol até as eleições para presidente do governo (primeiro-ministro) no próximo dia 20. Uma hora de fila foi, para mim, uma aula da arte de discutir.

Ao entrar na igreja, a primeira coisa que os fiéis veem é um posto de loteria para o prêmio "gordo" de Natal. Aí continua a conversa. Se não se cumprirem as preces ao céu, sempre há, com um pouquinho de sorte e um bilhete de loteria, uma segunda oportunidade.

Mas, mais que de santos, o que me interessa é falar sobre o poder salvador da discussão. A Espanha é o país da conversa e, graças a isso, mantém seu caráter democrático. O melhor antídoto para os autoritarismos e para os viciados em celular é a discussão olhos nos olhos.

Os espanhóis discutem e discutem e não acontece nada. Isso é ótimo. Não se matam nem trocam socos. Apenas discutem. Às vezes concordam, outras não. Mas desde crianças aprenderam a importância de argumentar e de ser tolerante. Está em seu modo de ser.

Nos últimos dois meses, viajando entre Madri, Barcelona, Sevilha e Granada, escutei discussões de todo tipo na rádio e na televisão: desde fofocas nos tabloides até a melhor maneira de evitar ataques terroristas do Estado Islâmico na Europa. Não há assunto proibido. Bem, talvez os reis e esses pactos não escritos de alguns meios de comunicação com o poder. Mas, em geral, as discussões que escutei foram bastante livres e espontâneas.

Até o quase impossível tema da independência da Catalunha é discutível. Não há tanques nas Ramblas, mas sim muita política. E tudo bem. Para isso servem os políticos: para encontrar soluções para problemas que não parecem ter solução. Por acaso há um problema mais difícil do que quando alguém quer sair de casa?

Na Espanha, a conversa se transformou também na maneira preferida para escolher líderes políticos. Por isso, chama a atenção a negativa do primeiro-ministro espanhol a participar dos debates na televisão. Mariano Rajoy correu dos debates. Por quê? Por medo de se sair mal diante dos três candidatos de oposição: Pedro Sánchez, do PSO, Albert Rivera, do Cidadãos, e Pablo Iglesias, do Podemos. Os três são mais jovens que Rajoy e muito mais hábeis na esgrima verbal.

Em qualquer outro país, seria praticamente desqualificado da disputa o candidato que se negasse a participar de um debate. Mas, no peculiar caso de Rajoy, de quem ninguém lembra um bom discurso ou entrevista, talvez sua estratégia antitertuliana funcione. Veremos em 20 de dezembro.

Há muitas coisas boas que posso dizer sobre a marca Espanha: come-se maravilhosamente bem (como no México, Peru, Itália, Cingapura e China) e leva-se muito a sério a hora da refeição; adoro seu presunto serrano, seu azeite de oliva, seus carabineiros, o arroz da Casa Benigna e as alcachofras do Lago de Sanabria.

Aqui jogam os melhores times de futebol do mundo (Barça e Real Madrid); um país de 46 milhões de habitantes com 60 milhões de turistas estrangeiros por ano deve ter muitos ímãs; seu estilo de vida permitiu que os espanhóis celebrem muitos aniversários, mais de 82 em média, e estejam entre os mais longevos do planeta; há poucos lugares como a Espanha, onde os jovens podem sair com segurança (pergunte a minha filha Paola, que passou sua infância e adolescência em Madri); apesar do desemprego, da insegurança no trabalho e da corrupção, há um consenso em manter as redes de proteção social; e para mim é exemplar, e o tema desta coluna, essa maravilhosa disposição a conversar.

Os espanhóis aprenderam bem com sua história. Em cada discussão parecem reafirmar essa decisão plural de recusar os abusos do franquismo e de qualquer imposição. Poucos povos passaram, em poucas gerações, de uma férrea ditadura a uma democracia tão saudável. E minha teoria é que o fizeram discutindo. Tudo.

Há, porém, muitas coisas que não funcionam na Espanha. Entretanto, estão aperfeiçoando o método para encontrar soluções coletivas. Muitos espanhóis, porém, não concordarão comigo. Mas isso é precisamente o que espero deles (inclusive na fila para entrar na igreja).