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Uma quase traição com os imigrantes nos EUA

Jorge Ramos

07/01/2016 00h01

Creio que os filhos de imigrantes têm uma dupla responsabilidade: primeiro, cuidar de seus pais, e segundo, proteger os outros imigrantes como se fossem seus pais. Esta foi uma nobre tradição norte-americana durante mais de dois séculos. Por isso não há nada mais triste e traiçoeiro que querer fechar as portas aos imigrantes que vêm atrás de nós. Mas isso é exatamente o que estão fazendo alguns candidatos presidenciais nos Estados Unidos.

Nunca antes tínhamos visto tantos filhos de imigrantes almejando a Casa Branca. Isto fala muito bem deste país: em uma só geração, pode-se passar de filho de imigrante a presidente dos EUA.

Estes são os filhos de imigrantes que querem a presidência dos EUA: Donald Trump, cuja mãe nasceu na Escócia, Marco Rubio, de pai e mãe nascidos em Cuba, Ted Cruz, nascido no Canadá, de pai cubano, e o democrata Bernie Sanders, cujo pai era da Polônia. (Bobby Jindal, cujos pais nasceram na Índia, já se retirou da disputa.)

Todos eles viveram na própria carne o que é crescer em uma casa com diversos sotaques e com pelo menos o pai ou a mãe aprendendo as regras e os costumes do país adotivo. Mas o que mais me chama a atenção é que, apesar de haver tantos filhos de imigrantes candidatos à Presidência, esta campanha pela Casa Branca está sendo marcada por duros ataques contra os imigrantes. E os atentados terroristas em Paris e San Bernardino só reforçaram os discursos xenofóbicos nos EUA.

Quase todos os candidatos chamaram alguma vez de "ilegais" os sem documentos, muitos apoiam a ideia de erguer um muro na fronteira com o México, Trump acusou imigrantes mexicanos de serem criminosos e violadores, e a maioria dos candidatos republicanos, em contraste com os três aspirantes democratas, se opõe à ideia de um caminho para a cidadania para os 11 milhões de sem documentos.

É incompreensível, para muitos hispânicos, a atitude contra os sem documentos tomada pelos dois candidatos latinos, os senadores cubano-americanos Marco Rubio e Ted Cruz. Os dois romperam um costume de décadas em que os políticos hispânicos em nível nacional, independentemente de sua origem, sempre defendiam os imigrantes mais vulneráveis.

Veja, para dar alguns exemplos, como os democratas porto-riquenhos Luis Gutiérrez e Nydia Velázquez e os republicanos cubano-americanos Ileana Ros-Lehtinen e os irmãos Lincoln e Mario Díaz-Balart defenderam os sem documentos.

"Ninguém de todos os que buscam a Casa Branca sabe mais de imigração que eu", disse, com razão, Rubio em um recente discurso em New Hampshire. Por isso surpreende que, em seu último debate presidencial, Rubio e Cruz tenham brigado para ver quem se opunha mais à legalização dos sem documentos. Em poucas palavras, não querem dar aos novos imigrantes as mesmas oportunidades que seus pais tiveram.

Não, os eleitores latinos não votarão em um candidato só porque é latino. Ao contrário, vão exigir mais dele. Vão exigir que cuidem dos novos imigrantes da mesma maneira que alguém cuidou de seus pais. Alguém, sem dúvida, estendeu a mão a seus pais para conseguir um emprego e seus papéis para trabalhar. Alguém lhes ensinou a pronunciar corretamente em inglês. Alguém os convidou a comer.

Eu lembro com especial carinho quando meu diretor de notícias, Pete Moraga, e sua família me convidaram à sua casa para meu primeiro jantar de Ação de Graças, em Los Angeles. Praticamente me adotaram e me instruíram com paciência nos rituais norte-americanos e no lento cozimento do peru. Como não agradecer aos Moraga sua ajuda quando eu mais precisava? Nós, imigrantes, nunca esquecemos os que nos ajudam. Nunca.

Eu sou um imigrante, cheguei a este país há 33 anos, os EUA foram extraordinariamente generosos comigo, e portanto argumento e brigo para que os imigrantes que chegaram depois de mim tenham as mesmas oportunidades e sejam tratados com o mesmo respeito que eu recebi. Por isso não entendo quando imigrantes ou filhos de imigrantes atacam os que chegaram um pouco depois.

Não há maior deslealdade com os seus do que quando os filhos de imigrantes são mal agradecidos e esquecem sua origem. É quase uma traição.