Topo

De Trump a Obama, debate sobre deportação foi sequestrado por intolerantes

Imigrantes deportados de Phoenix desembarcam na Cidade da Guatemala, em 2014 - Jorge Dan Lopez/Reuters
Imigrantes deportados de Phoenix desembarcam na Cidade da Guatemala, em 2014 Imagem: Jorge Dan Lopez/Reuters

21/01/2016 00h02

Não sei como chegamos a este ponto. Em vez de estar falando sobre o poder dos latinos nas próximas eleições e sobre como implementar uma reforma migratória nos EUA, estamos falando em deportações.

Alguma coisa deu errado.

Algo vai muito mal quando, de repente, o candidato republicano que lidera as pesquisas, Donald Trump, tem algo em comum com o presidente Barack Obama: as deportações. Um deles, Trump, está pedindo mais deportações, enquanto o outro, Obama, as ordena. (De fato, Trump, em um tuíte, atribuiu-se o crédito e disse que as deportações planejadas por Obama se deviam à pressão que ele, Trump, havia exercido.)

Se o objetivo das batidas ordenadas no início do ano pelo governo dos EUA era criar medo, o conseguiram. Pais e mães saem de suas casas de manhã em Los Angeles, Atlanta e Nova York sem saber se verão seus filhos à noite.

Muitos imigrantes não querem usar o Metrorail em Miami porque temem que agentes de imigração embarquem nos trens. E organizações pró-imigrantes dão informações pela internet em espanhol com instruções sobre o que fazer se a "migra" bater à porta de madrugada. (Mantenha-se em absoluto silêncio, recomendam, não abra a porta sem uma ordem judicial e não assine nada.)

Até o momento detiveram 122 pessoas com ordens de deportação. E faltam muitas mais. São na maioria famílias que vieram fugindo da narcoviolência e das gangues em El Salvador, Honduras e Guatemala. E sim, há crianças entre os detidos. Não bastam os mais de 2 milhões de deportados em sete anos? Se o número de sem documentos diminuiu, qual é a urgência de deportar gente que não tem um passado criminoso?

A Casa Branca diz que são seguidas fielmente as prioridades de deportação estabelecidas em um memorando pelo secretário de Segurança Nacional, Jeh Johnson. Eu o li. É verdade, a terceira prioridade é expulsar as pessoas que receberam ordem de deportação depois de 1º de janeiro de 2014. Mas esse é exatamente o problema. A prioridade deve ser deportar terroristas e criminosos, e não crianças e suas mães.

A verdade dói. Estão deportando essas pessoas para enviar uma mensagem clara aos centro-americanos que pensam em vir para os EUA: não venham, e se vierem vamos deportá-los.

O problema é que muita gente que está sendo deportada pode ser assassinada ou violada ao regressar. O jornal britânico "The Guardian" relatou que mais de 80 centro-americanos foram assassinados nos últimos dois anos após serem deportados dos EUA. E eu conheço um pai hondurenho que tirou sua filha menor do país porque o velho líder de uma gangue queria ter relações com ela.

No fundo, não há nenhuma diferença entre os refugiados centro-americanos que o governo Obama quer deportar e os 10 mil refugiados síriosque querem receber. Os dois grupos estão fugindo da violência. Mas, arbitrariamente, alguns são expulsos e outros são bem-vindos.

O problema está crescendo no mundo. A ONU relatou que em 2015 havia 20 milhões de refugiados (isto é, pessoas que fogem da violência política). Cabe aos países mais ricos e generosos, como EUA e Alemanha, oferecer-lhes sua ajuda. Mas isso não significou uma parada total nas deportações de refugiados.

Há, é claro, uma enorme diferença entre o que o governo Obama está fazendo e o que Trump propõe. O atual governo quer deportar os 100 mil centro-americanos que chegaram aos EUA desde janeiro de 2014, segundo relatou originalmente "The Washington Post", enquanto Trump que tirar do país os 11 milhões de sem documentos caso chegue à Presidência. Mas, afinal das contas, as duas coisas causam pânico. Por acaso há algo mais brutal e doloroso que separar uma criança de seus pais?

Não sei como chegamos a isso. Em vez de apelar ao melhor dos EUA, o debate migratório no país parece ter sido sequestrado pelos intolerantes. Deportar os mais frágeis não é uma estratégia necessária; é uma simples decisão com consequências políticas.

A única coisa que me consola é que, conforme se aproximar o dia das eleições, em novembro, muitos virão suplicar o apoio dos 26 milhões de latinos com direito a voto. Nesse dia lembraremos dos que estiveram conosco quando mais precisamos, e as coisas, espero, começarão a mudar.