Topo

Guerra da Argélia e Albert Camus são rememorados e voltam a criar polêmica na França

Argelino de coração e culturalmente francês, Albert Camus viveu tempos de amargura durante a guerra de independência da Argélia - FSP-Ilustrada-20.07.96
Argelino de coração e culturalmente francês, Albert Camus viveu tempos de amargura durante a guerra de independência da Argélia Imagem: FSP-Ilustrada-20.07.96

15/09/2012 09h10

 

Albert Camus (1913-1960), nasceu na Argélia, então colônia francesa e morreu no sul da França, antes da Argélia tornar-se independente em 1962. Jornalista e escritor considerado como um dos maiores autores franceses do século XX, ele recebeu em 1957 o prêmio Nobel de Literatura. Na sua juventude, em Argel, Camus foi um goleiro de razoável reputação do time Racing Universitaire.

Gostava, praticava e tinha muito respeito pelo futebol. Num texto sobre suas peças de teatro, datado de 1959, escreveu: “No fundo o pouco de [filosofia] moral que conheço, eu aprendi nos campos de futebol e nos palcos de teatro, que serão sempre as minhas verdadeiras universidades”.

Camus vinha de uma família pobre, cujos ascendentes estavam entre os primeiros colonos franceses estabelecidos na Argélia em meados do século 19. Argelino de coração e culturalmente francês, ele viveu tempos de amargura durante a guerra de independência da Argélia (1954-1962). Seu desejo de que o país se libertasse da opressão colonial, mas continuasse ligado à França, acabou valendo-lhe a hostilidade dos dois campos: tanto dos nacionalistas árabes argelinos e da esquerda francesa, quanto dos colonos e da direita francesa. 

Maior e mais dramático episódio colonial da França, a guerra da Argélia está sendo rememorada e discutida neste ano que marca o cinquentenário do final do conflito. Segundo o governo da Argélia, 1,5 milhão de argelinos, civis na maior parte, morreram durante a guerra (o governo francês calcula em 460 mil o número de argelinos mortos). Trinta mil soldados franceses e cerca de 90.000 milicianos argelinos pró-franceses (“harkis”) também perderam a vida. Enfim, perto de 1 milhão de colonos franceses (chamados “pieds noirs”), muitos dos quais oriundos de famílias residentes na Argélia havia três gerações, abandonaram definitivamente sua terra natal em 1962.

O traumatismo provocado pela guerra, pelas violências contra os civís e pelo exodo dos colonos para a França deixou sequelas profundas. Boa parte do eleitorado do Front National e Marine Le Pen ainda culpa os gaullistas (o então presidente De Gaulle deu aval à independência argelina) e a esquerda francesa pela “perda” da Argélia. No meio tempo, o governo argelino lançou uma política de nacionalização e arabização que cortou de vez as raízes francesas que ainda subsistiam no país.

Emissões na televisão mostram filmes da época, organizam debates, enquanto a imprensa e as editoras multiplicam publicações sobre a Argélia francesa durante estes ano. Fatalmente, as polêmicas sobre as responsibilidades de uns e outros voltaram a dividir as opiniões.  E de novo, a vida e a obra de Albert Camus entra de roldão nas controvérsias francesas sobre a Argélia.

Sucede que em 2013 comemora-se o centenário de seu nascimento. A cidade de Aix-en-Provence, cuja biblioteca contém os manuscritos do prêmio Nobel, planejou uma exposição sobre a obra de Albert Camus que deveria ser preparada pelo grande historiador judeu “pied-noir”, Benjamin Stora. 

Porém, sob pressão da maioria da comunidade “pied-noir” bastante convervadora e presente da região de Aix-en-Provence, a municipalidade excluiu Benjamin Stora da organização do evento. Segundo um diretor de uma associação de defesa dos ultra-colonialistas franceses, Stora, "israelita...autoproclamado historiador da guerra da Argélia, que defende as teses do FLN [o movimento independentista argelino], é vomitado pela comunidade dos franceses da Argélia". 

Reagindo contra a exclusão de Stora, o ministério da Cultura do governo socialista do primeiro-ministro Ayrault, decidiu suspender as subvenções oficiais à exposição de Aix-en-Provence. Mais uma vez Albert Camus fica no meio de um conflito que ele tentou, armado somente com sua pluma, evitar.