O julgamento do véu islâmico na França e a União Europeia
No último mês de julho, em pleno mês do Ramadã, o nono mês do calendário muçulmano no qual os fiéis devem jejuar durante o dia, um caso banal no subúrbio de Paris acabou na Justiça e no questionamento das liberdades públicas na França.
Uma muçulmana portando o niqab - véu cobrindo o rosto inteiro à exceção dos olhos, diverso da burca, véu integral com um tecido quadriculado à altura dos olhos - que seguia para casa com seu bebê, seu marido e sua mãe foi interpelada pela polícia. Tratava-se de uma infração à lei francesa de outubro de 2010, equivocadamente chamada “lei antiburca”, que proíbe a ocultação do rosto em lugares públicos.
O incidente degenerou em insultos da mulher e empurrões de seu marido nos policiais. Depois, houve tumultos numa manifestação de muçulmanos que pedia a anulação da lei de 2010. Num precedente julgamento, o marido foi condenado a uma pena de três meses de liberdade condicional por esse fato.
Na semana passada, a mulher foi julgada. Seu advogado – assessor de uma associação que combate a islamofobia na Franca -, arguiu os princípios constitucionais relativos à liberdade de ir e vir, à liberdade religiosa e ao respeito à dignidade humana.
O tribunal rejeitou os argumentos da defesa, observando que a lei estipula princípios gerais proibindo “a ocultação do rosto em lugares públicos”, englobando também o porte de capacete sem moto ou de touca ninja fora do uso de esquis.
As mulheres muçulmanas podem usar o véu islâmico cobrindo o rosto inteiro quando estiverem nas mesquitas. Anteriormente, o Tribunal Constitucional da França já havia validado a lei, constando que apenas foram sistematizadas proibições bem anteriores e específicas.
No final das contas, a mulher foi condenada a um mês de liberdade condicional e 150 euros de multa por insulto à força pública e infração à lei de 2010.
O caso foi seguido de perto pela imprensa e pelos meios jurídicos franceses e internacionais por duas razões.
Primeiro, o assunto é muito sensível na França que conta com a maior comunidade muçulmana, formada por franceses e estrangeiros, da Europa.
Em segundo lugar, corre na Corte Europeia dos Direitos Humanos, sediada em Estrasburgo, uma arguição de inconstitucionalidade da lei de 2010 depositada por uma francesa.
Como se sabe, a União Europeia gerou o “direito comunitário” que se superpõe ao direito nacional dos países-membros e é impositivo. Concretamente, ao contrário dos tratados jurídicos internacionais de caráter não obrigatório, aos quais a França, o Brasil e muitos outros países estão vinculados, o direito comunitário aplicado pela Corte de Estrasburgo pode declarar a infração aos direitos humanos e obrigar a França a modificar a lei de 2010.
Ora, outros países da União Europeia (UE), como a Bélgica, a Holanda e a Itália, possuem leis similares à lei de 2010. Assim, a decisão da Corte Europeia terá repercussões mais amplas definindo princípios jurídicos que deverão ser aplicados por todos os países membros da UE.
Caso a lei seja declarada conforme aos direitos humanos, haverá muito provavelmente manifestações em toda a Europa e nos países muçulmanos seguindo a linha do islã integrista, como a Arábia Saudita e o Paquistão.
Inversamente, se a lei de 2010 for refutada, os setores laicos e republicanos europeus protestarão. Irão também juntar-se a eles todos os militantes antieuropeus que militam, há décadas, contra a preeminência da legislação europeia sobre a legislação nacional de seus respectivos países.
Para além de um simples incidente num subúrbio, o que está em jogo é também, mais uma vez, o processo de unificação europeu e a própria concepção da cultura europeia.
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