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Chance de processo penal internacional marca diferença entre tortura no Brasil e nos EUA

A presidente Dilma Rousseff, que foi torturada durante a ditadura militar brasileira, chora ao receber relatório final da Comissão da Verdade - Evaristo Sa/ AFP
A presidente Dilma Rousseff, que foi torturada durante a ditadura militar brasileira, chora ao receber relatório final da Comissão da Verdade Imagem: Evaristo Sa/ AFP

12/12/2014 08h26Atualizada em 12/12/2014 08h26

As mídias americana e brasileira trazem como principal manchete desses dias a informação de que dirigentes de seus respectivos países ordenaram ou acobertaram a prática sistemática da tortura. Há similitudes e diferenças nessas sinistras denúncias, cuja simultaneidade não escapou à imprensa americana. Assim, a revista "Newsweek" comentou o relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV) sob o título: “O outro relatório sobre a tortura” .

Nos Estados Unidos, o relatório do Senado sobre as práticas ilegais e bárbaras da CIA contra acusados e suspeitos de terem praticado atos terroristas traumatiza o país. Emprisionado em duras condições pelos norte-vietnamitas na Guerra do Vietnã, o senador republicano John McCain declarou que a tortura praticada pelos agentes da CIA “manchou a honra nacional” americana.

Mas o que está jogo não são só as responsabilidades da CIA e dos dirigentes que permitiram tais práticas. Muitos consideram que o próprio Senado, dotado de largas competências, falhou ao não investigar as denúncias surgidas há tempos sobre a tortura nos campos legais e clandestinos americanos no exterior.  

No Brasil, a prática da tortura, oficializada durante a ditadura, se insere numa longa tradição de violências herdadas da Inquisição e do escravismo nacional. Ilustrando a banalidade e a perenidade do mal, o tenente coronel Maurício Lopes Lima, acusado de ter torturado a então militante Dilma Rousseff, explicou numa entrevista porque ele considerava a tortura “uma coisa normal”.

"Sua empregada roubou, você a levava lá à delegacia, aí o delegado já (dizia): “Pode deixar que a gente vai dar um pau nela”.

A exemplo de outros torturadores ainda vivos listados pela Comissão Nacional da Verdade, o tenente coronel Lopes Lima pode ter problemas no futuro, independentemente do que for decidido pelos tribunais brasileiros.

Aqui há uma diferença entre os Estados Unidos e o Brasil. Se um dos países europeus (como a Polônia) que abrigaram prisões da CIA, denunciar dirigentes americanos perante o Tribunal Penal Internacional (TPI), sob a alegação de que não autorizara a tortura em seu território, nada aconteceria. De fato, como observou Philip Bump no seu blog do "Washington Post", os Estados Unidos não fazem parte dos 122 países que ratificaram os estatutos do TPI, sediado em Haia.

Ao inverso, em 2002, o Brasil ratificou e deu plena validade à sua adesão aos estatutos do TPI. Como é sabido, o TPI é competente para julgar atentados aos direitos humanos que, por uma razão ou outra, não forem levados aos tribunais dos países signatários de seus estatutos. Desse modo, uma denúncia no TPI contra a inação da Justiça brasileira frente às acusações inscritas no relatório da CNV, poderá gerar outros prolongamentos.