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A corrupção na Fifa

05/06/2015 20h08

O escândalo suscitado pelo inquérito da justiça americana sobre a corrupção na Fifa, para além de seus desdobramentos no Brasil e na Europa, tomou uma dimensão planetária. É natural que seja assim. O futebol é o esporte mais popular do mundo e também um dos mais lucrativos. Como escreve um especialista da Michigan State University, “trata-se de uma indústria multibilionária e a Fifa dirige isso tudo”.

Nos quatro anos do ciclo da última Copa (2001-2014), a Fifa teve uma renda de 5,72 bilhões de dólares, dos quais 70% foram gerados pelo marketing e a venda de direitos de transmissão dos jogos da Copa no Brasil. Obviamente, a decisão mais impactante da Fifa é a escolha do país-sede do Mundial, beneficiário de outros tantos fluxos produtivos e financeiros.

Daí o interesse da Justiça americana em investigar o processo decisório que levou à realização da Copas em diversos países. Sede da Copa de 2018, a Rússia sentiu-se visada com as detenções feitas em Genebra a pedido do ministério da Justiça americano. Na sequência, Putin protestou contra “a tentativa descarada” dos americanos de “estender sua jurisdição para outros Estados”.

Mas não foi só o presidente russo que se manifestou contra a ação da procuradoria americana. Num artigo publicado no site da revista de negócios "Forbes", Doug Bandow, ex-assistente do presidente Reagan, interroga-se sobre as consequências políticas e diplomáticas da iniciativa da Justiça americana de requerer a prisão de estrangeiros no exterior. De seu lado, a ONG Jubilee USA, sediada em Washington e dedicada a combater a corrupção financeira, denuncia o envolvimento de bancos americanos nas manobras delituosas dos dirigentes da Fifa. Ao contrário dos Estados Unidos, onde o futebol suscita um entusiasmo moderado, bem atrás do beisebol, do hóquei e do futebol americano, na França a bola redonda é objeto de um verdadeiro culto. Num primeiro tempo, o ex-craque francês Michel Platini, presidente da União Europeia de Futebol e rival declarado da direção da Fifa, pareceu como o “candidato natural” para suceder Sepp Blatter. Mas logo depois surgiram complicações para a sua candidatura.

Primeiro, estourou o escândalo da alegada “compensação” monetária da Fifa à Irlanda, para favorecer a França nas eliminatórias do Mundial de 2010. Em seguida, foi revelado que a procuradoria suíça investiga irregularidades na escolha da Copa do Mundo de 2018 na Rússia, e de 2022 no Catar. Ora, é sabido que Platini foi um dos mais destacados defensores da candidatura do Catar, cuja escolha foi “profundamente manchada de ilegalidade”, segundo o Conselho da Europa. Instância jurídica sediada em Estrasburgo, que inclui o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e abrange 47 países europeus, o Conselho publicou um relatório em janeiro deste ano em que solicita um novo voto da Fifa para a atribuição do país-sede da Copa de 2022.

Neste contexto lodoso, estreou nos Estados Unidos o filme francês “United Passions” (2014). Realizado por Frédéric Auburtin, o filme retrata, de maneira quase heroica, a fundação e a expansão da Fifa, de 1904 até a atualidade.  Financiado em boa parte pela própria Fifa, o filme  focaliza a atuação de seus principais dirigentes, de seu fundador Jules Rimet (interpretado por Gerard Depardieu), a João Havelange (pelo ator Sam Neill, conhecido por seu papel no filme Jurassic Park III) e a Sepp Blatter (interpretado por Tim Roth). Na sua estreia londrina o filme suscitou uma resenha do "Guardian" cujo título dispensa tradução: “Fifa propaganda is pure cinematic excrement”. Agora, no seu lançamento nos Estados Unidos, o "Los Angeles Times" considerou que o filme “chuta bem longe da trave”.