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Caso atípico na democracia dos EUA, Trump põe trio militar na Casa Branca

2.set.2017 - O presidente dos EUA, Donald Trump, embarca no Air Force One - Nicholas Kamm/ AFP
2.set.2017 - O presidente dos EUA, Donald Trump, embarca no Air Force One Imagem: Nicholas Kamm/ AFP

04/09/2017 18h46

Há particularidades no modo de governar que podem ser observadas ao vivo na presidência de Donald Trump. Trata-se da distinção entre a classe dirigente (altos funcionários civis e militares, administradores públicos, diplomados das grandes universidades) presentes no aparelho de Estado, na máquina governativa, e a classe dominante (patrões, empresários, grandes proprietários rurais, negociantes).

Em algumas conjunturas do Império, no século 19, houve um nítido confronto entre a classe dirigente --, funcionários da Coroa, partidários de um governo centralizado e de uma visão global do Estado brasileiro--, e os membros da classe dominante, isto é, fazendeiros e senhores de engenho, das oligarquias regionais mais alheios ao governo central e mais interessados na gestão provincial. Mas a separação entre as duas categorias não é estanque. Por um lado, setores da classe dirigente se candidatam às eleições e se legitimam junto às classes dominantes. Por outro lado, o quadro político partidário absorve setores do patronato e do empresariado que se convertem em membros ativos da classe dirigente.

Nos Estados Unidos, este processo ocorreu nos dois sentidos durante dois séculos. No primeiro caso, Eisenhower, chefe das forças aliadas na Segunda Guerra, deixou a carreira militar para se candidatar à presidência pelo partido republicano, cumprindo dois mandatos seguidos na Casa Branca. No segundo caso, Nelson Rockefeller (1908-1979), poderoso banqueiro, entrou na militância do Partido Republicano, sendo eleito quatro vezes seguidas governador de Nova York, e vice-presidente na chapa de Gerald Ford.

A eleição de Donald Trump difere marcadamente dessa tradição. Trump teve duas grandes vitórias no ano passado. Venceu os presidenciáveis republicanos tarimbados, dois poderosos senadores (Mark Rubio e Ted Cruz), e um governador (John Kasich), se apresentando como um outsider contra as máquinas partidárias. Em seguida venceu a campeão das sondagens, Hillary Clinton. Sem nunca ter sido nomeado e ou eleito a um cargo público, um candidato passava direto do escritório de sua empresa para a Casa Branca.

Apregoando que iria "drenar o pântano" da capital federal, ele tentou associar grandes empresários e ideólogos ultraconservadores aos quadros tradicionais republicanos. Não deu certo. Tão grandes foram as confusões, os conflitos e as demissões na presidência que o próprio Trump achou necessário tuitar no dia 31 de julho uma informação importante para o povo americano e o resto do mundo: "Não há caos na Casa Branca!".

Na realidade, a governança errática de Trump escaldou os líderes republicanos, que têm eleições parciais em 2018 para preparar, e deu destaque ao triunvirato de generais introduzidos na Casa Branca para estancar a baderna, John F. Kelly, o chefe da Casa Civil, Jim Mattis, o ministro da Defesa e H.R. McMaster, o conselheiro de Segurança Nacional. Trata-se de uma situação totalmente atípica na democracia americana, que mereceu um editorial do New York Times. "Constitucionalmente e politicamente acostumados à liderança civil, os americanos dependem agora de três generais [...] para impedir que M. Trump saia completamente dos trilhos". Contornada pelo populismo de Trump, a classe dirigente voltou com os altos coturnos.