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"Czar do século 21", Putin recoloca Rússia no papel de potência global

5.set.2017 - O presidente russo, Vladimir Putin, em conferência de imprensa depois da cúpula dos Brics, na China - Sputnik/Mikhail Klimentyev/Kremlin via Reuters
5.set.2017 - O presidente russo, Vladimir Putin, em conferência de imprensa depois da cúpula dos Brics, na China Imagem: Sputnik/Mikhail Klimentyev/Kremlin via Reuters

03/11/2017 08h50

Anos atrás, havia um certo consenso nas discussões acadêmicas a respeito da Rússia pós-soviética. Pensava-se que a Rússia czarista das últimas décadas do século 19 iria se reencarnar na Rússia do século 21. Um país importante, sob a autoridade de uma burocracia pesada, associada à Igreja ortodoxa, permeada por corrupção e clientelismo político, com mediana potência militar, capaz de jogar pesado nas suas fronteiras ocidentais e orientais, como também no Cáucaso, mas com o pouco impacto na Europa ocidental e, menos ainda, no resto do mundo. Ou seja, um país atuante, mas desprovido da dimensão geopolítica mundial alcançada pela URSS no pós-guerra.

A matéria de capa da Economist do dia 26 de outubro, com Putin vestido com trajes militares do século 19 e com o título "Nasce um Czar", também reforça esta ideia. Mas este enfoque deve ser revisado. Decerto, a Rússia atual não tem o peso da URSS. Contudo, é bem mais influente que a Rússia do século 19.

Pressionada pelas sanções americanas e europeias por causa de sua interferência na Ucrânia, a Rússia tem estreitado seus laços diplomáticos e econômicos com outras potências globais ou regionais. Nas últimas semanas Vladimir Putin e o o primeiro-ministro Dmitry Medvedev visitaram vários países. Os dirigentes de Moscou assinaram acordos com a China, a Índia, o Irã, a Turquia a Arábia Saudita, o Azerbaijão, a Venezuela, a Nigéria, que envolvem cooperação na área bancária, militar e em setores como a inteligência artificial, telecomunicações ou a exploração e transporte de petróleo e gás.

Para reforçar suas posições no Polo Norte e na rota marítima do Ártico, Putin criou ou restaurou dezenas de bases militares no norte da Rússia. No campo da propaganda, a interferência da mídia social controlada pelo Kremlin nas presidenciais americanas e, muito provavelmente, no referendo sobre o Brexit, ocupa as manchetes dos últimos dias.

Com o fim da União Soviética em 1991, Moscou perdeu o controle sobre largos territórios e 250 milhões de pessoas (150 milhões nas novas repúblicas independentes e 100 milhões de indivíduos residentes nos países da Europa Oriental dominados pela URSS). Transformando o sistema semipresidencialista numa instituição garantidora de sua autocracia, Vladimir Putin detém o poder na Rússia desde 1999, se revezando como primeiro-ministro e presidente do país.

Hoje, entre os seus cidadãos, ele aparece como o mais poderoso dirigente desde de Stalin.

Analisando no Huffington Post o contexto mencionado acima, Jonathan Adelman, professor da University of Denver, escreve: "O recente restabelecimento da Rússia, sob Vladimir Putin, na posição de grande potência é um dos milagres do século 21". Resta saber como será a Rússia pós-Putin.

Em 2008, Putin manobrou para mudar a Constituição e alongar o mandato presidencial de quatro para seis anos. Eleito em 2012, ele completa em 2018 seu último ano como presidente.

Com 66 anos, Putin poderá repetir a tramoia feita em 2008 de parceria com seu primeiro-ministro: Medvedev vence a eleição presidencial com o apoio de Putin e o nomeia primeiro-ministro. Putin controlaria assim o país até 2024, completando um quarto de século na direção da Rússia. 

A Economist faz uma previsão pessimista do período pós-Putin que pode se abrir já no ano que vem. "Sem mecanismos de democracia real para legitimar alguém novo, o próximo dirigente emergiria na sequência de uma luta pelo poder que pode desmembrar a Rússia. Isso é alarmante num país com armas nucleares".