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O declínio dos impérios

27/08/2013 00h01

O anúncio surpresa de Steve Ballmer de que deixará a presidência-executiva da Microsoft provocou uma enxurrada de comentários. Não sendo nem um entendido em tecnologia e nem um guru de administração, eu não tenho muito o que acrescentar nessas frentes. Mas acho que entendo um pouco de economia, e também leio muito sobre história. Assim, o anúncio de Ballmer me fez pensar em externalidades de rede e Ibn Khaldun. E pensar nessas coisas, eu argumentaria, pode ajudar a assegurar que possamos extrair as lições certas dessa agitação corporativa em particular.

Primeiro, sobre as externalidades de rede. Considere o estado do setor de informática por volta de 2000, quando o preço das ações da Microsoft atingiu seu pico e a empresa parecia totalmente dominante. Lembra das camisetas descrevendo Bill Gates como um Borg (parte da mente coletiva da série "Star Trek –Jornada nas Estrelas"), com a legenda: "Resistir é inútil. Prepare-se para ser assimilado"? Lembra de quando a Microsoft estava no centro das preocupações das leis antitruste?

O estranho é que ninguém parecia gostar dos produtos da Microsoft. Segundo todos os relatos, os computadores Apple eram melhores do que os PCs usando Windows como seu sistema operacional. Mas a vasta maioria dos computadores desktop e notebooks rodava o Windows? Por quê?

A resposta, basicamente, é que todos usavam o Windows porque todos usavam o Windows. Se você tivesse um PC com Windows e quisesse ajuda, você podia pedir ao sujeito no cubículo ao lado, ou ao pessoal do suporte técnico no andar de baixo, e ter uma boa chance de conseguir a resposta que você precisava. Programas eram projetados para rodar em PCs, periféricos eram projetados para funcionar com PCs.

Essas são externalidades de rede em ação, e tornaram a Microsoft um monopólio.

A história de como surgiu esse estado das coisas é emaranhada, mas não acho ser injusto dizer que a Apple equivocadamente acreditou que os compradores comuns prezariam sua qualidade superior tanto quanto seu próprio pessoal. Assim ela passou a cobrar mais caro, e quando percebeu quantas pessoas estavam optando por máquinas mais baratas, que não eram insanamente ótimas, mas realizavam o trabalho, o domínio da Microsoft já estava assegurado.

Bem, qualquer discussão dessas faz o fiéis da Apple se manifestarem, insistindo que qualquer coisa que o Windows faça a Apple pode fazer melhor, e que apenas idiotas compram PCs. Eles podem estar certos. Mas não importa, porque existem muitos desses idiotas, eu incluído. E o Windows ainda domina o mercado de computadores pessoais.

O problema para a Microsoft veio com a ascensão de novos aparelhos cuja importância ela famosamente fracassou em perceber. "Não há chance", Ballmer declarou em 2007, "do iPhone conquistar uma fatia de mercado significativa".

Como a Microsoft foi tão cega? É aqui onde entra Ibn Khaldun. Ele foi um filósofo islâmico do século 14, que basicamente inventou o que agora chamaríamos de ciências sociais. E um entendimento que ele teve, com base na história de sua região natal, a África do Norte, é que existe um ciclo de ascensão e queda de dinastias.

As tribos do deserto, ele argumentava, sempre exibiam mais coragem e coesão social do que as pessoas civilizadas das cidades, de modo que, de tempos em tempos, elas invadiriam e conquistariam as terras cujos soberanos se tornaram corruptos e complacentes. Elas criam uma nova dinastia – e, com o passar do tempo, se tornam corruptas e complacentes, prontas para serem derrubadas por um novo grupo de bárbaros.

Eu não acho que seja preciso muito esforço para aplicar essa história à Microsoft, uma empresa que se deu tão bem com seu monopólio de sistema operacional que perdeu o foco, enquanto a Apple –ainda perambulando pelo deserto após todos aqueles anos –estava alerta a novas oportunidades. E os bárbaros do deserto invadiram.

Às vezes, a propósito, bárbaros são convidados a vir por uma facção doméstica que busca sacudir as coisas. Pode ser isso o que está acontecendo no Yahoo: Marissa Mayer pode não parecer muito um chefe beduíno feroz, mas ela está exercendo o mesmo papel.

De qualquer modo, o engraçado é que a posição da Apple nos dispositivos móveis atualmente se assemelha muito à antiga posição da Microsoft nos sistemas operacionais. É verdade, a Apple faz produtos de alta qualidade. Mas eles são, segundo a maioria dos relatos, apenas ligeiramente melhores, quando são, do que os dos seus rivais, apesar de seu preço mais caro.

Então por que as pessoas os compram? Externalidades de rede: muitas outras pessoas usam iAlgumaCoisa, há mais aplicativos para iOS do que para outros sistemas, de modo que a Apple se torna a escolha fácil e segura. Conheça o novo chefe, igual ao velho chefe.

Há alguma moral aqui? Permita-me ao menos apresentar um caso negativo: apesar da Microsoft não ter conseguido conquistar o mundo, aquelas preocupações antitruste não foram equivocadas. A Microsoft foi monopolista, ela obteve muitas rendas de monopólio e inibiu a inovação. A destruição criativa significa que os monopólios não são eternos, mas isso não significa que sejam inofensivos enquanto duram. Isso valeu ontem para a Microsoft, e pode valer amanhã para a Apple, Google ou outra empresa ainda fora do nosso radar.