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A reforma se torna real

No dia 28 de junho, a maioria da Suprema Corte americana manteve o Affordable Care Act, a ampla reforma da saúde promovida por Obama, em uma inesperada vitória para os democratas do Congresso - Stephen Crowley/The New York Times
No dia 28 de junho, a maioria da Suprema Corte americana manteve o Affordable Care Act, a ampla reforma da saúde promovida por Obama, em uma inesperada vitória para os democratas do Congresso Imagem: Stephen Crowley/The New York Times

Paul Krugman

05/10/2013 00h01

A esta altura, a crise na governança americana ganhou vida própria. Alguns republicanos já estão dizendo publicamente que querem concessões em troca da reabertura do governo e de evitar um calote, não porque eles têm alguma política específica em mente, mas simplesmente porque não querem se sentir "desrespeitados". E não há um fim para isso em vista.

Mas este confronto começou com uma questão real. Os esforços republicanos para impedir a "Obamacare" (a reforma da saúde) de entrar em vigor. Há muito está claro que o grande temor do Partido Republicano não era o fracasso da reforma da saúde, mas seu sucesso. E os desdobramentos desde terça-feira, quando as bolsas nas quais os indivíduos comprarão seus planos de saúde começaram a operar, sugere fortemente que os piores temores deles de fato se concretizarão: a coisa funcionará.

Espere aí, dirão alguns leitores. Muitas das histórias até o momento não são de falhas de computador, de pessoas diante de telas lhes dizendo que os servidores estão ocupados e que devem tentar de novo mais tarde? Sim, mas todo mundo com conhecimento do processo sempre esperou alguns problemas iniciais, e a natureza dos problemas nesta semana na verdade é altamente encorajadora para aqueles que apoiam o programa.

Primeiro, permita-me dizer uma palavra sobre a irrelevância dos problemas iniciais de novos programas do governo.

O noticiário político nos Estados Unidos, especialmente, mas não apenas na TV, tende a se focar no lance a lance. Quem venceu o ciclo de notícias de hoje? Para ser justo, esse tipo de coisa pode importar nos últimos dias de uma eleição.

Mas a Obamacare não será submetida a referendo popular ou alguma nova votação. É lei e entrará em vigor. Seu futuro dependerá de como funcionará nos próximos anos, não nas próximas semanas.


Para ilustrar esse argumento, considere o Medicare Part D, o benefício de medicamentos prescritos, que entrou em vigor em 2006. Ele teve o que foi amplamente considerado um começo desastroso, com idosos sem saber ao certo sobre seus benefícios, as farmácias frequentemente recusando pedidos válidos, problemas de computador e mais. No final, entretanto, o programa proporcionou benefícios duradouros e ai do político que propor cancelá-lo.

Logo, os problemas de outubro não importarão a longo prazo. Mas por que são encorajadores? Porque parecem ser, em grande parte, resultado do simples volume de tráfego, que tem sido muito maior do que o esperado. E isso significa que uma grande preocupação dos apoiadores da Obamacare –que um número insuficiente de pessoas tivesse conhecimento do programa, que muitos americanos com direito não se inscreveriam– está desaparecendo rapidamente.

É claro, é importante que as pessoas que queiram se inscrever de fato o façam. Mas os problemas de computador podem e serão consertados. Assim, em 31 de março, quando encerrar a inscrição para 2014, nós podemos ter razoavelmente certeza que milhões de americanos que antes não eram segurados terão cobertura segundo a Lei de Atendimento de Saúde a Preço Acessível. A Obamacare se tornará realidade, algo da qual as pessoas dependem, em vez de uma noção imprecisa que os republicanos podem vilificar. E será muito difícil retirar essa cobertura.

O que nós ainda não sabemos, e é crucial para o sucesso a longo prazo do programa, é quem se inscreverá. Haverá um número suficiente de jovens inscritos para proporcionar um pool de risco favorável e manter os valores relativamente baixos? Tenha em mente que grupos conservadores estão gastando pesadamente –e produzindo anúncios altamente assustadores– em um esforço para dissuadir os jovens de adquirirem um plano. Todavia, as seguradores estão apostando que os jovens vão adquirir, como mostrado pelos valores inesperadamente baixos que estão oferecendo para o ano que vem.

E as seguradoras provavelmente estão certas. Para ver o motivo para as mensagens anti-Obamacare provavelmente estarem condenadas a fracassar, pense sobre quem estamos falando aqui. Isto é, quem são os indivíduos não segurados com saúde que o programa precisa conquistar? Bem, eles não são em grande parte abastados, porque pessoas jovens abastadas tendem a ter empregos com plano de saúde. E são desproporcionalmente não brancos.

Em outras palavras, para se ter uma descrição da pessoa típica que a Obamacare precisa que se inscreva, pegue a descrição de um membro típico do Tea Party (movimento radical republicano) ou de um espectador da "Fox News" –branco, abastado e mais velho– e coloque um "não" em frente da cada característica. São as pessoas com as quais a máquina de propaganda da direita não fala, mas que podem ser atingidas por muitos dos mesmos canais, de propagandas na mídia de língua espanhola aos tweets de celebridades, que mobilizaram os eleitores de Obama no ano passado. Eu tenho que admitir que considero a imagem de conservadores linhas-duras derrotados por um exército de celebridades tuitando altamente atraente, mas também é realista. As inscrições provavelmente ficarão bem.

Assim, a Obamacare começou bem, com até mesmo as más notícias sendo na verdade boas notícias para o futuro do programa. Ainda não chegamos lá, porém mais e mais, parece que a reforma da saúde veio para ficar.