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Sobre os problemas da Turquia

Policiais turcos se protegem de fogos de artifício atirados por manifestantes de etnia curda em Istambul  - Bulent Kilic/AFP
Policiais turcos se protegem de fogos de artifício atirados por manifestantes de etnia curda em Istambul Imagem: Bulent Kilic/AFP

Paul Krugman

01/02/2014 00h01

OK, quem pediu isso? Com tudo o mais que está acontecendo, a última coisa de que precisávamos era uma nova crise econômica em um país já assolado pela turbulência política. É verdade que as consequências globais diretas da Turquia, com sua economia do tamanho da de Los Angeles, não serão grandes. Mas estamos ouvindo aquela temível palavra, "contaminação" --o tipo de contaminação que já fez uma crise na Tailândia se espalhar pela Ásia, mais recentemente fez uma crise na Grécia se espalhar pela Europa e agora, todos temem, poderá fazer os problemas da Turquia se espalharem pelos mercados emergentes do mundo.

De muitas maneiras é uma história conhecida. Mas isso faz parte do que a torna tão perturbadora: por que continuamos tendo essas crises? E aqui está a coisa: os intervalos entre as crises parecem estar diminuindo, e os resíduos de cada crise parecem piores que os da última. O que está acontecendo?

Antes que eu chegue à Turquia, uma breve história das crises financeiras globais.

Durante uma geração depois da Segunda Guerra Mundial, o sistema financeiro mundial ficou, pelos padrões modernos, notavelmente livre de crises - provavelmente porque a maioria dos países impunha restrições aos fluxos de capital interfronteiras, de modo que os empréstimos internacionais eram limitados. No final dos anos 1970, porém, a desregulamentação e a crescente agressividade dos banqueiros levou a uma enxurrada de fundos para a América Latina, seguida do que é conhecido no setor como uma "parada súbita" em 1982 - e uma crise que levou a uma década de estagnação econômica.

A América Latina finalmente voltou ao crescimento (apesar de o México ter tido uma feia recaída em 1994), mas nos anos 1990 uma versão maior da mesma história se desenrolou na Ásia: enormes influxos de dinheiro seguidos por uma parada súbita e implosão econômica. Algumas economias asiáticas se recuperaram rapidamente, mas o investimento nunca se recuperou de todo, nem o crescimento.

Mais recentemente, outra versão da história se apresentou na Europa, com um fluxo de dinheiro para Grécia, Espanha e Portugal seguido de uma parada súbita e imensos problemas econômicos.

Como eu disse, apesar de os contornos da história serem os mesmos, as consequência continuam piorando. A produção real caiu 4% durante a crise mexicana de 1981-83; caiu 14% na Indonésia de 1997 a 1998 e mais de 23% na Grécia.

Então, uma crise ainda pior está fermentando? Os fundamentos são ligeiramente tranquilizadores; a Turquia, em particular, tem baixa dívida pública, e embora as empresas tenham se endividado muito no exterior a situação financeira geral não parece tão ruim. Mas cada crise anterior desafiou as expectativas positivas. E as mesmas forças que enviaram montes de dinheiro para a Turquia também tornam a economia mundial como um todo altamente vulnerável.

Você pode ter ouvido falar ou não de que há um grande debate entre os economistas sobre se estamos diante da "estagnação secular". O que é isso? Bem, uma maneira de descrevê-la é como uma situação em que a quantia que as pessoas querem poupar supera o volume de investimentos que vale a pena fazer.

Quando isso é verdade, você tem um de dois resultados. Se os investidores estiverem sendo cautelosos e prudentes, estamos na verdade coletivamente tentando gastar menos que nossa renda, e como meus gastos são a sua receita e os seus gastos são a minha receita, o resultado é um declínio persistente.

Alternativamente, os investidores atingidos --frustrados pelos baixos retornos e desesperados por rendimento-- podem se iludir e despejar dinheiro em projetos mal concebidos, seja empréstimos subprime ou fluxos de capital para mercados emergentes. Isto pode estimular a economia por algum tempo, mas afinal os investidores enfrentam a realidade, o dinheiro seca e os problemas aparecem.

Se esta é uma boa descrição de nossa situação, e acredito que seja, hoje temos uma economia mundial destinada a oscilar entre bolhas de depressão. E esse não é um pensamento animador enquanto assistimos ao que parece o estouro de uma bolha dos mercados emergentes.

O ponto principal é que a Turquia não é realmente o problema; nem a África do Sul, a Rússia, a Hungria, a Índia e quem quer que esteja sendo atingido agora. O verdadeiro problema é que as economias ricas do mundo --os EUA, a zona do euro e também atores menores --deixaram de lidar com suas próprias fraquezas subjacentes. Mais obviamente, diante de um setor privado que quer economizar demais e investir de menos, adotamos políticas de austeridade que aprofundam as forças da depressão. Pior ainda, todos os indícios são de que, ao permitir o aumento do desemprego, estamos deprimindo nossas perspectivas de crescimento em longo prazo assim como em curto prazo, o que vai deprimir ainda mais o investimento privado.

Oh, e grande parte da Europa corre o risco de uma armadilha deflacionária no estilo japonês. Uma crise dos mercados emergentes também poderia plausivelmente transformar esse risco em realidade.

Então a Turquia parece estar em sérias dificuldades --e a China, um ator vastamente maior, também parece um pouco abalada. Mas o que torna esses problemas assustadores é a fraqueza subjacente das economias ocidentais, uma fraqueza que é agravada por políticas realmente, realmente ruins.