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Nos EUA, 50% dos desempregados são brancos

Por Paul Krugman

11/02/2014 00h01

Em 1987, Alan Blinder, meu colega de Princeton, publicou um livro muito bom intitulado “Hard Heads, Soft Hearts” (“Cabeças duras, corações moles”, em tradução livre). O livro era, como você pode imaginar, um convite à adoção de uma política econômica pragmática, mas compassiva. Infelizmente, o que nós realmente fizemos – especialmente os republicanos, embora não só eles – foi o oposto. E é difícil encontrar um exemplo melhor para representar a natureza insensível e idiota do Partido Republicano de hoje do que o que aconteceu na semana passada, quando os republicanos do Senado norte-americano mais uma vez utilizaram seu poder de obstrução para impedir a concessão de auxílio às pessoas que estão desempregadas há muito tempo.  

O que sabemos sobre a taxa de desemprego de longo prazo nos Estados Unidos?   

Em primeiro lugar, essa taxa ainda se mantem em níveis quase recordes. Historicamente, o percentual de pessoas desempregadas há muito tempo – ou seja, aquelas que estão fora do mercado de trabalho há 27 semanas ou mais – geralmente corresponde a algo entre 10% e 20% da taxa de desemprego total. Hoje, esse número está em 35,8% nos Estados Unidos. No entanto, permitiu-se que a ampliação dos benefícios aos desempregados, que entrou em vigor em 2008, caducasse. Como resultado, poucos entre os desempregados desocupados há muito tempo estão recebendo algum tipo de apoio.

Segundo, se você acredita que o típico desempregado norte-americano de longa data é uma daquelas pessoas – não branca, com baixo nível educacional etc. – você está errado, de acordo com uma pesquisa realizada por Josh Mitchell, do Urban Institute. Metade dos que estão desempregados há mais de 27 semanas são brancos de origem não hispânica. Aqueles com nível superior apresentam uma probabilidade menor de perder o emprego do que os trabalhadores menos qualificados, mas quando esses profissionais perdem o emprego eles se mostram mais propensos a entrar para as fileiras dos desempregados de longa data. E os trabalhadores que têm mais de 45 anos são especialmente propensos a ficar muito tempo desempregados.  

Em terceiro lugar, em um mercado de trabalho fraco, o desemprego prolongado tende a ser autoperpetuar, pois os empregadores discriminam os desempregados. Muitas pessoas suspeitavam que esse fosse realmente o caso. Por isso, no ano passado Rand Ghayad, da Northeastern University, forneceu uma confirmação dramática. Ele distribuiu milhares de currículos fictícios em resposta a anúncios de emprego e descobriu que os potenciais empregadores se mostravam muito menos inclinados a responder aos currículos dos profissionais fictícios que estavam desempregados há mais de seis meses, mesmo que ele ou ela fosse mais qualificado(a) do que os outros candidatos.

O que tudo isto sugere é que os desempregados de longa data são, acima de tudo, vítimas das circunstâncias – trabalhadores norte-americanos comuns que tiveram a má sorte de perder o emprego (situação que pode acontecer a qualquer um) em um momento de extraordinária fraqueza do mercado de trabalho, ou seja, quando existem três vezes mais pessoas procurando emprego do que vagas disponíveis. Por isso, uma vez desempregados, o próprio fato de estarem fora do mercado torna muito difícil encontrar uma nova posição.

Então, como é que os políticos podem justificar o corte dos modestos benefícios financeiros a seus desafortunados concidadãos? Alguns republicanos justificaram a obstrução no senado da semana passada com o velho argumento de que não podemos nos dar ao luxo de aumentar o deficit. Na verdade, os democratas equilibraram a ampliação dos benefícios com medidas para aumentar as receitas fiscais. Mas, de qualquer maneira, essa é uma objeção bizarra num momento em que os deficits federais não estão apenas caindo como também estão claramente caindo bem rapidamente e segurando a recuperação econômica.

A maioria dos republicanos, no entanto, justifica sua recusa em ajudar os desempregados afirmando que o desemprego prolongado está tão alto devido ao fato de as pessoas não estarem se esforçando o suficiente para encontrar postos de trabalho, e que os benefícios estendidos são parte do motivo dessa falta de esforço.

Pessoas que dizem coisas como essas – pessoas como, por exemplo, o senador Rand Paul – provavelmente imaginam que estão sendo pragmáticas e realistas. Na verdade, porém, essas pessoas estão vendendo uma fantasia que não combina com todas as evidências. Por exemplo: se a taxa de desemprego está alta devido ao fato de as pessoas não estarem dispostas a trabalhar, o que reduziria a oferta de mão de obra, por que é que os salários não estão subindo?

Mas as evidências têm um viés liberal bem conhecido. Quanto mais a doutrina econômica dos republicanos falha – vocês se lembram quando as medidas do Fed supostamente deveriam produzir uma inflação galopante? –, mais ferozmente os conservadores se apegam a essa doutrina. Mais de cinco anos após uma crise financeira ter feito o mundo ocidental mergulhar no que parece ser, cada vez mais, uma crise quase permanente, fazendo com que a ortodoxia do livre mercado soasse cada vez mais absurda, é difícil encontrar um republicano de peso que tenha mudado de ideia sobre, bem, qualquer coisa.

E essa impermeabilidade às evidências vem se somar a uma impressionante falta de compaixão. Se você acompanha os debates sobre o desemprego deve ter ficado impressionado ao perceber como é difícil encontrar alguém do lado republicano que apenas insinue um pouco de simpatia aos desempregados de longa data. Estar desempregado sempre é apresentado como uma escolha, como algo que só acontece com os perdedores que realmente não querem trabalhar. Na verdade, muitas vezes fica a sensação de que o desprezo pelos desempregados vem em primeiro lugar e que as supostas justificativas para as políticas duras são racionalizações a posteriori.

O resultado é que milhões de norte-americanos foram colocados de lado – rejeitados por potenciais empregadores, abandonados pelos políticos cujas ideias confusas só se igualam à dureza de seus corações.