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Bobagens para assustar na reforma da saúde

25/02/2014 00h01

Lembra do "imposto da morte"? O imposto sobre heranças é literalmente um imposto para milionários --um imposto que afeta apenas uma minúscula minoria da população e que é pago em grande parte por um punhado de herdeiros muito ricos. Todavia, o pessoal da direita teve sucesso em convencer muitos eleitores de que o imposto é um ônus cruel sobre os americanos comuns --de que por todo o país pequenas empresas e fazendas de família estão sendo partidas para pagamento de passivos fiscais esmagadores.

Você poderia achar que essas casos dolorosos são na verdade raros, mas está errado: eles não são raros; eles são inexistentes. Em particular, ninguém nunca apresentou um exemplo moderno real de uma fazenda familiar sendo vendida para pagamento de imposto sobre heranças. Toda a campanha do "imposto da morte" visou provocar solidariedade humana para vítimas puramente imaginárias.

E agora estão tentando uma campanha semelhante contra a reforma da saúde.

Eu não sei se os conservadores já perceberam que seu Plano A para a reforma da saúde –esperar pelo colapso inevitável da Obamacare e colher as recompensas políticas– não está funcionando. Mas não está. As inscrições se recuperaram fortemente após o início desastroso da lei; na Califórnia, que tinha um site funcionando desde o início, as inscrições já superaram as projeções para o primeiro ano. O mix de pessoas que se inscreveram até o momento é mais velho do que os planejadores esperavam, mas não o suficiente para causar uma grande alta dos prêmios, muito menos a "espiral da morte" prevista com frequência.

E os conservadores realmente não têm um plano B– no mundo deles, ninguém nem mesmo ousa mencionar a possibilidade da reforma da saúde provar ser viável. Mesmo assim, já é possível ver algumas pessoas na direita tateando em busca de uma nova estratégia, uma em que se apoie em destacar os exemplos do mal terrível causado pela Obamacare. Só há um problema: elas não conseguiram encontrar nenhum exemplo real. Considere as várias tentativas recentes da direita:

 --Na resposta oficial do Partido Republicano ao discurso do Estado da União, a deputada Cathy McMorris Rodgers citou o caso de "Bette, de Spokane", que supostamente perdeu sua boa cobertura de plano de saúde e foi forçada a pagar quase US$ 700 a mais por mês de prêmio. Os repórteres locais localizaram a verdadeira Bette e descobriram que a história era totalmente enganadora: a apólice original dela oferecia pouquíssima cobertura e ela podia obter um plano muito melhor por muito menos do que o custo alegado.

--Na Louisiana, o grupo Americans for Prosperity (um falso grupo de base) –o grupo parece ser em grande parte financiado e controlado pelos irmãos Koch e outros doadores ricos– têm pago por propagandas atacando a senadora Mary Landrieu. Nessas propagandas, nós vemos o que parecem ser moradores comuns da Louisiana recebendo avisos de que suas apólices de seguro foram canceladas por causa da Obamacare. Mas as pessoas nas propagandas são, na verdade, atores pagos, e as cenas que estão interpretando não são reencenações de eventos reais –elas são "emblemáticas", diz o porta-voz do grupo.

--Em Michigan, a Americans for Prosperity está pagando por uma propaganda que exibe uma pessoa real. Mas ela está contando uma história real? Na propaganda, Julia Boonstra, que sofre de leucemia, declara que seu plano de saúde foi cancelado, mas que na nova apólice ela terá que pagar um complemento do próprio bolso com o qual ela não pode arcar, e que "se eu não receber minha medicação, eu vou morrer". Mas Glenn Kessler, do "The Washington Post", tentou checar os fatos e soube que graças aos prêmios mais baixos, ela quase certamente economizará tanto ou mais do que o valor mais alto que terá que pagar do próprio bolso. Um porta-voz da American for Prosperity respondeu às perguntas sobre os números com arrogância e conversa fiada –tratava-se de "uma pessoa real, sofrendo de câncer no sangue, não uma apresentação bonitinha de PowerPoint da Casa Branca".

Até mesmo os apoiadores da reforma da saúde estão um tanto surpresos com a aparente incapacidade da direita de apresentar casos reais de dificuldades. Certamente deve haver algumas pessoas de fato sendo prejudicadas por uma reforma que afeta milhões de americanos. Por que a direita não consegue encontrar essas pessoas e explorá-las?

A resposta mais provável é que os verdadeiros perdedores da Obamacare costumam não ser pessoas que provocam compaixão. Em grande parte ou são pessoas muito ricas afetadas pelos impostos especiais que ajudam a financiar a reforma, ou homens jovens, ao menos moderadamente bem de vida e com muito boa saúde, que não mais podem comprar planos baratos mais simples. Nenhum desses grupos provocará lágrimas nas propagandas.

Não, o que a direita quer é americanos comuns em dificuldades, preferivelmente mulheres, enfrentando devastação financeira por causa da reforma da saúde. Logo, são essas as histórias que eles estão contando, apesar de não terem conseguido encontrar nenhum exemplo real.

Ei, eu tenho uma sugestão: por que não produzir propagandas nas quais atores remunerados interpretem americanos que perderam tanto seu plano de saúde graças à Obamacare quanto a fazenda da famílias graças ao imposto da morte? Já que vão inventar histórias, então vale tudo.