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O lugar da distribuição de renda no discurso público

Paul Krugman

11/03/2014 00h01

A maioria das pessoas, se fosse pressionada sobre o assunto, provavelmente afirmaria que a extrema desigualdade de renda é uma coisa ruim, apesar de um número razoável de conservadores acreditar que toda a questão da distribuição de renda deveria ser banida do discurso público. (O ex-senador e candidato presidencial Rick Santorum quer proibir o termo “classe média”, que, segundo ele, é “inveja de classe na linguagem de esquerda”. Quem sabia disso?) Mas o que se pode fazer a respeito?

A resposta padrão na política americana é: “Não muita coisa”. Quase 40 anos atrás, Arthur Okun, principal assessor econômico do presidente Lyndon Johnson, publicou um livro clássico intitulado "Equality and Efficiency: The Big Tradeoff" [Igualdade e eficiência: A grande compensação], afirmando que redistribuir a renda dos ricos para os pobres cobra um preço do crescimento econômico.

O livro de Okun define os termos de quase todo o debate que se seguiu: os liberais poderiam afirmar que os custos da redistribuição para a eficiência foram pequenos, enquanto os conservadores diriam que foram grandes, mas todo mundo sabia que fazer qualquer coisa para reduzir a desigualdade teria pelo menos algum efeito negativo para o Produto Interno Bruto.

Mas parece que o que todo mundo sabia não é verdade. Tomar medidas concretas para reduzir a extrema desigualdade nos EUA no século 21 provavelmente aumentaria, e não reduziria, o crescimento econômico.

Comecemos pelas evidências.

Sabe-se amplamente que a desigualdade de renda varia muito entre os países avançados. Em particular, a renda disponível nos EUA e no Reino Unido é distribuída de maneira muito mais desigual que na França, na Alemanha ou na Escandinávia.

O que é menos sabido é que essa diferença é basicamente o resultado de políticas governamentais. Dados reunidos pelo Estúdio de Renda de Luxemburgo (ao qual estarei associado a partir deste verão) mostram que a renda básica -- de honorários, salários, ativos e assim por diante -- é distribuída muito desigualmente em quase todos os países. Mas os impostos e as transferências (ajuda em dinheiro ou espécie) reduzem essa desigualdade subjacente em graus variados: um pouco, mas não muito, nos EUA e muito mais em vários outros países.

Então, reduzir a desigualdade por meio da redistribuição prejudica o crescimento econômico? Não, segundo dois estudos marcantes feitos por economistas do FMI (Fundo Monetário Internacional), que dificilmente é uma organização de esquerda.

O primeiro estudo examinou as relações históricas entre desigualdade e crescimento e descobriu que os países com desigualdade de renda relativamente baixa “têm mais êxito em alcançar um crescimento econômico sustentado, em oposição a surtos ocasionais”.

O segundo, divulgado no mês passado, analisou diretamente o efeito da redistribuição de renda e concluiu que “a redistribuição parece geralmente benigna em termos de seu impacto sobre o crescimento”.

Em suma, a grande compensação de Okun não parece ser uma compensação. Ninguém está propondo que experimentemos ser Cuba, mas modificar um pouco as políticas americanas na direção das normas europeias provavelmente aumentaria, e não reduziria, e eficiência econômica.

Nessa altura alguém certamente dirá: “Mas a crise na Europa não mostra os efeitos destrutivos do Estado do bem-estar social?” Não, não mostra. A Europa está pagando um alto preço por criar uma união monetária sem união política. Mas dentro da zona do euro os países que fazem muita redistribuição no mínimo suportaram melhor a crise do que os que fazem menos.

Mas como os efeitos da redistribuição sobre o crescimento podem ser benignos? A ajuda generosa aos pobres não reduz seu incentivo a trabalhar? Os impostos sobre os ricos não reduzem seu incentivo a serem cada vez mais ricos? Sim e sim - mas incentivos não são as únicas coisas que importam. Os recursos também importam - e em uma sociedade altamente desigual muitas pessoas não os têm.

Pense, em particular, no sempre popular slogan de que devemos buscar a igualdade de oportunidades, e não a igualdade de rendas. Isso pode parecer bom para pessoas que não têm ideia do que é a vida de milhões de americanos; mas para os que têm senso de realidade é uma piada cruel.

Quase 40% das crianças americanas vivem na pobreza ou próximo dela. Você realmente pensa que elas têm o mesmo acesso à educação e aos empregos que os filhos dos afluentes?

Na verdade, as crianças de baixa renda têm muito menor probabilidade de completar o colégio que seus colegas ricos, e a diferença aumenta rapidamente.

E isso não é apenas ruim para os que tiveram a má sorte de nascer para os pais errados; representa um enorme e crescente desperdício de potencial humano - um desperdício que certamente atua como um peso poderoso mas invisível para o crescimento econômico.

Agora, eu não quero afirmar que abordar a desigualdade de renda ajudaria a todos. Os muito ricos perderiam mais com impostos maiores do que ganhariam com o melhor crescimento econômico. Mas está bastante claro que atacar a desigualdade seria bom, não apenas para os pobres, mas para a classe média (desculpe, senador Santorum).

Em suma, o que é bom para o 1% não é bom para a América. E nós não precisamos continuar vivendo uma nova Era Dourada se não quisermos.