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Medo dos salários

Paul Krugman

15/03/2014 00h01

Quatro anos atrás, alguns de nós assistimos com uma mistura de incredulidade e horror quando as discussões da elite da política econômica saíram completamente dos trilhos. Ao longo de apenas alguns meses, pessoas influentes em todo o mundo ocidental convenceram-se a si mesmas e às outras que os déficits orçamentários eram uma ameaça existencial, superando qualquer preocupação com o desemprego em massa. O resultado foi uma volta à austeridade fiscal que aprofundou e prolongou a crise econômica, causando grande sofrimento.

E agora está acontecendo de novo. De repente, parece que todas as pessoas sérias estão dizendo umas às outras que, apesar do alto índice de desemprego, quase não há “excedente” no mercado de trabalho - como evidenciado por um suposto aumento dos salários - e que o Federal Reserve precisa começar a elevar as taxas de juros muito em breve para afastar a ameaça de inflação.

Para ser franco, aqueles que defendem o aperto monetário são mais criteriosos e menos abertamente políticos do que os defensores da austeridade que promoveram o último desvio de caminho. Mas o conselho que eles estão dando pode ser igualmente destrutivo.

Certo, e de onde está vindo tudo isso?

O ponto de partida para essa mudança de opinião da elite é a alegação que os salários, depois de ficarem estagnados por anos, começaram a subir rapidamente. E é verdade que uma das medidas de salários de fato se elevou e teve um salto especialmente grande no mês passado.

Mas esse aumento provavelmente se deve a uma ilusão estatística relacionada à neve. Como já apontaram os economistas do Goldman Sachs, os salários médios normalmente saltam com o mau tempo - não porque os salários de fato aumentem, mas porque os trabalhadores que ficam ociosos por causa da neve e das tempestades tendem a ser menos bem remunerados do que aqueles que não são afetados.

Além disso, temos várias medições de salários, e apenas uma está apresentando um aumento notável. Não está nada claro que está acontecendo uma aceleração salarial.

E o que há de errado com o aumento dos salários, de qualquer maneira? No passado, os aumentos salariais de cerca de 4% ao ano - mais do que o dobro da taxa atual- foram consistentes com a inflação baixa. E há fortes motivos para elevar a meta da inflação do Fed, o que significaria buscar aumentos salariais mais rápidos, digamos de 5 a 6% ao ano. Por quê? Porque até mesmo o Fundo Monetário Internacional agora está advertindo contra os perigos da “lowflation”: uma taxa de inflação baixa demais que coloca a economia em risco de “japanização”, ou seja, de ficar presa em uma armadilha de estagnação econômica e dívida intratável.

No geral, então, embora seja possível argumentar que estamos ficando sem trabalho excedente, também é possível argumentar o contrário, e de qualquer forma a coisa prudente a fazer certamente seria esperar: esperar até que haja evidências sólidas de um aumento dos salários e depois esperar um pouco mais até que o crescimento dos salários pelo menos volte aos níveis pré-crise e, de preferência, ainda mais.

No entanto, por algum motivo, há um número crescente de pedidos para que não esperemos, que nos preparemos para elevar as taxas de juros imediatamente ou, pelo menos, muito em breve. Por que isso?

Parte da resposta, eu diria, é que para algumas pessoas estamos sempre em 1979. Ou seja, elas estão eternamente vigilantes contra o perigo de uma espiral de salários e preços. De alguma forma, elas não notaram que nada desse tipo acontece há décadas. Talvez seja uma coisa geracional. Talvez seja porque a crise da década de 1970 se encaixe com seus preconceitos ideológicos, mas a ameaça fantasma da estagflação ainda tem uma influência desproporcional no debate econômico.

Depois tem o sado-monetarismo: o sentido, muito comum nos círculos bancários, que infligir dor sempre dá bons resultados. Há algumas pessoas e instituições - por exemplo, o Banco de Compensações Internacionais com sede em Basel - que sempre querem que as taxas de juros subam. Sua lógica sempre muda - são os preços das commodities; não, é a estabilidade financeira; não, é o salário - mas a política recomendada é sempre a mesma.

Finalmente, embora o debate monetário atual não seja tão abertamente político quanto o debate fiscal anterior, é difícil escapar à suspeita de que interesses de classe estão desempenhando um papel na questão. Um bom número de comentaristas parece estranhamente perturbado com a ideia de trabalhadores recebendo aumentos, especialmente quando o retorno aos acionistas permanece baixo. É quase como se eles se identificassem com a classe de investidores e se sentissem desconfortáveis com qualquer coisa que nos aproximasse do pleno emprego e, assim, desse mais poder de barganha dos trabalhadores.

Quaisquer que sejam os motivos subjacentes, apertar os parafusos monetários neste momento seria uma ideia muito, muito ruim. Estamos lenta e dolorosamente emergindo da pior crise desde a Grande Depressão. Não é preciso muito para abortar a recuperação e, se isso vier a acontecer, nós quase certamente seremos “japanizados”, presos em uma armadilha que pode durar décadas.

Os salários estão realmente decolando? Isso está longe de estar claro. Mas se estiverem, devemos ver o aumento dos salários como algo a ser celebrado e promovido, e não como uma ameaça a ser esmagada com pouco dinheiro.