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Três caros milissegundos

16/04/2014 00h01

Nós estamos dando somas imensas ao setor financeiro, recebendo pouco ou nada em troca.

Há quatro anos, Chris Christie, o governador de Nova Jersey, cancelou abruptamente o maior e talvez mais importante projeto de infraestrutura dos Estados Unidos, o extremamente necessário novo túnel ferroviário sob o Rio Hudson. Pode me considerar entre aqueles que culpam suas ambições presidenciais, e acreditam que ele estava tentando bajular a base republicana que odeia o governo e transportes públicos.

Mas enquanto um túnel era cancelado, outro estava próximo da conclusão, enquanto a Spread Networks concluía a perfuração nos Montes Allegheny, na Pensilvânia. O túnel da Spread não visa o transporte de passageiros, nem mesmo carga; ele é destinado a um cabo de fibra óptica que reduziria em 3 milissegundos --três milésimos de um segundo-- o tempo de comunicação entre os futuros mercados de Chicago e os mercados de ações em Nova York. E o fato desse túnel ter sido construído, enquanto o túnel ferroviário não, diz muito sobre o que está errado nos Estados Unidos hoje.

Quem se importa com 3 milissegundos? A resposta é: os traders de alta frequência, que ganham dinheiro comprando e vendendo ações uma fração de segundo mais rápido que outros investidores. Sem causar surpresa, Michael Lewis começa seu novo livro best-seller, "Flash Boys", uma polêmica contra o trading de alta frequência, com a história do túnel da Spread Networks. Mas a verdadeira moral da história do túnel independe da polêmica de Lewis.

Pense a respeito. Você pode ou não aceitar a descrição de Lewis dos tipos de alta frequência como vilões e aqueles que tentam detê-los como heróis --se você me perguntar, não há mocinhos nessa história. Mas, de qualquer forma, gastar centenas de milhões de dólares para economizar 3 milissegundos parece um grande desperdício. E isso faz parte de um quadro ainda maior, no qual a sociedade está dedicando uma parcela cada vez maior de seus recursos para financiar atividades financeiras ganhando pouco ou nada em troca.

De quanto desperdício estamos falando? Um estudo de Thomas Philippon, da Universidade de Nova York, coloca em várias centenas de bilhões por ano.

Philippon começa com a observação familiar de que o setor financeiro cresceu muito mais que a economia como um todo. Especificamente, a parcela do produto interno bruto que reverte para banqueiros, traders e assim por diante, quase dobrou desde 1980, quando começamos a desmontar o sistema de regulação financeira criado em resposta à Grande Depressão.

E o que estamos recebendo em troca de todo esse dinheiro? Não muito, até onde qualquer um pode dizer. Philippon mostra que o setor financeiro cresceu muito mais até mesmo que o fluxo das economias que canaliza ou dos ativos que administra. Os defensores das finanças modernas gostam de argumentar que elas prestam um grande serviço à economia, ao alocar capital para seus usos mais produtivos --mas trata-se de um argumento difícil de sustentar, após uma década na qual a grande realização de Wall Street envolveu direcionar centenas de bilhões de dólares para hipotecas de alto risco.

Os amigos de Wall Street também costumavam alegar que a proliferação de instrumentos financeiros complexos estava reduzindo o risco e aumentando a estabilidade do sistema, de modo que crises financeiras eram uma coisa do passado. Na verdade, não.

Mas se nosso setor financeiro de tamanho exagerado não nos torna mais seguros e nem mais produtivos, o que ele está fazendo? Uma resposta é fazendo pequenos investidores de otários, fazendo com que desperdicem somas imensas em um esforço vão de vencerem o mercado. Não precisa acreditar em mim --foi isso o que o presidente da Associação Americana de Finanças declarou em 2008. Outra resposta é que muito dinheiro vai para atividades especulativas, que são lucrativas do modo privado, mas socialmente improdutivas.

Você pode fazer objeção de que isso não está certo, que a mão invisível do mercado assegura que os retornos privados e retornos sociais coincidam. Mas os economistas sabem há muito tempo que quando se trata de especulação, essa afirmação não é verdadeira. Em 1815, o barão Rothschild ganhou uma fortuna porque sabia o resultado da Batalha de Waterloo algumas horas antes de todo mundo; é difícil ver como esse conhecimento tornou o Reino Unido mais rico. É ainda mais difícil ver como a vantagem de 3 milissegundos oferecida pelo túnel da Spread Networks torna os Estados Unidos modernos mais ricos; mas essa vantagem claramente vale a pena para os especuladores.

Resumindo, nós estamos dando somas imensas ao setor financeiro, enquanto recebemos pouco ou nada --talvez menos que nada-- em troca. Philippon calcula o desperdício em 2% do PIB. Mas mesmo esse número, no meu entender, subestima o verdadeiro custo do setor financeiro inchado. Pois há uma correlação clara entre a ascensão das finanças modernas e o retorno dos Estados Unidos aos níveis de desigualdade da Era Dourada.

Logo, não dê atenção ao debate sobre quanto dano exatamente o trading de alta frequência causa. É todo o setor financeiro, não apenas essa parte, que está minando nossa economia e nossa sociedade.