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Em questão de emprego, norte da Europa se sai melhor que os EUA

Paul Krugman

De Sintra (em Portugal)

27/05/2014 00h01

Vou passar os próximos dias em um fórum patrocinado pelo Banco Central Europeu cujo tema de fato --diga o que disser o programa-- será a confusão monetária destrutiva causada pela adoção prematura de uma moeda única no continente. O que torna a história ainda mais triste é que as dificuldades econômicas e financeiras da Europa obscureceram seu notável sucesso em longo prazo, não alardeado, em uma área em que ela costumava ser atrasada: a geração de empregos.

O quê? Você não ouviu falar nisso? Bem, não é muito surpreendente. As economias europeias, em particular a França, são pouco noticiadas nos EUA. Nosso discurso político é dominado por um robin-hoodismo invertido --a crença em que o sucesso econômico depende de ser bom para os ricos, que não criarão empregos se forem fortemente taxados, e mau com os trabalhadores comuns, que só aceitarão os empregos se não tiverem alternativa.

E, segundo essa ideologia, a Europa --com seus altos impostos e condições generosas de bem-estar-- faz tudo errado. Por isso, o sistema econômico europeu deve estar desmoronando, e muitas reportagens simplesmente declaram o colapso postulado como um fato.

A realidade, porém, é muito diferente. Sim, a Europa meridional está experimentando uma crise econômica graças a essa confusão monetária. Mas, os países do norte da Europa, incluindo a França, se saíram muito melhor do que a maioria dos norte-americanos percebe. Em particular, eis um pequeno fato surpreendente e pouco conhecido: os adultos franceses em sua idade mais produtiva (25 a 54 anos) têm uma probabilidade substancialmente maior de estarem empregados do que seus homólogos norte-americanos.

Nem sempre foi assim. Na década de 1990, a Europa realmente tinha grandes problemas com a geração de empregos, o fenômeno recebeu até um nome interessante: "eurosclerose". E parecia óbvio qual era o problema: a rede de segurança social da Europa havia se tornado, como gosta de advertir o deputado Paul Ryan, uma "rede de dormir" que minava a iniciativa e incentivava a dependência.

Mas, então aconteceu uma coisa engraçada: a Europa começou a melhorar muito, enquanto os EUA pioraram muito. O índice de emprego na idade mais produtiva na França superou o dos EUA no início do governo Bush; neste ponto atual, a diferença entre os índices de emprego é maior do que era no final dos anos 1990, desta vez a favor da França. Outros países europeus com grandes situações de bem-estar, como Suécia e Holanda, se saem ainda melhor.

Hoje, os jovens franceses ainda têm probabilidade muito menor de estar empregados que seus homólogos norte-americanos, mas uma grande parte dessa diferença é reflexo do fato de que a França oferece muito mais ajuda aos estudantes, de modo que eles não têm de trabalhar para pagar os estudos. Isso é ruim? Os franceses também tiram mais férias e se aposentam mais cedo que os norte-americanos, e pode-se afirmar que os incentivos para a aposentadoria precoce são generosos demais.

Mas, na questão principal de oferecer empregos para as pessoas que realmente deveriam estar trabalhando, a velha Europa está nos superando, apesar dos benefícios sociais e regulamentos que, segundo os ideólogos do livre mercado, deveriam ser destruidores de empregos em grande escala.

Ah, e para os que acreditam que os norte-americanos desempregados, paparicados pelos benefícios do governo, simplesmente não tentam encontrar empregos, acabamos de fazer uma experiência cruel usando as piores vítimas de nossa crise de empregos. No final do ano passado, o Congresso se recusou a renovar os benefícios prolongados ao desemprego, cortando milhões de beneficiários. E será que os antigos desempregados, colocados em péssima situação, começaram a encontrar empregos mais rapidamente que antes? Não, de modo algum. De certa forma, parece que a única coisa que conseguimos ao deixar os desempregados mais desesperados foi aprofundar seu desespero.

Tenho certeza de que muita gente simplesmente se recusará a acreditar no que estou dizendo sobre as forças europeias. Afinal, desde que começou a crise do euro, houve uma campanha incansável dos conservadores norte-americanos (e muitos europeus também) para retratá-la como uma história de benefícios de bem-estar em colapso, derrubados por preocupações enganosas sobre justiça social. E eles continuam dizendo isso, apesar de algumas das economias mais fortes da Europa, como a Alemanha, terem assistencialismo cuja generosidade supera os sonhos mais loucos dos liberais americanos.

Mas, a macroeconomia, como eu continuo dizendo às pessoas, não é uma peça moral, em que a virtude é sempre recompensada e o vício, sempre punido. Pelo contrário, crises financeiras graves e depressões podem acontecer com economias que são fundamentalmente muito fortes, como os EUA em 1929. Os erros políticos que geraram a crise do euro --principalmente criar uma moeda unificada sem o tipo de união bancária e fiscal que uma moeda única exige-- basicamente não tinham nada a ver com a providência do bem-estar, de um modo ou de outro.

A verdade é que as condições do bem-estar ao estilo europeu provaram ser mais resistentes, mais bem-sucedidas na geração de empregos, do que se reconhece na filosofia econômica predominante.