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O dominó climático

Paul Krugman

07/06/2014 00h03

Talvez seja eu, mas o choro de ultraje previsível da direita com as regras para carbono propostas pela Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) parece estranhamente abafado e sem foco. Quero dizer, são as mesmas pessoas que criaram um ultraje nacional em torno de painéis da morte inexistentes (na reforma da saúde). Agora, o governo Obama está realmente impondo ao menos um pouco de dor sobre algumas pessoas. Onde estão as falsas histórias de horror chamativas?

Mas o que importa é que os ataques contra as novas regras envolvem principalmente os três Cs: conspiração, custo e China. Isto é, a direita alega que não existe nenhum aquecimento global, que tudo é uma farsa promovida por milhares de cientistas ao redor do mundo; que agir para limitar a emissão de gases do efeito estufa devastaria a economia; e que, de qualquer forma, uma política americana não adiantaria, porque a China continuaria expelindo coisas na atmosfera.

Eu não quero falar muito sobre a teoria de conspiração, exceto apontar que qualquer tentativa de entender a política americana atual precisa levar em consideração este indicador em particular do mergulho do Partido Republicano na loucura. Entretanto, há muito que dizer sobre as questões do custo e China.

Sobre o custo: é razoável argumentar que as novas regras que visam limitar as emissões teriam alguns efeitos negativos sobre o PIB e a renda familiar. Mesmo que não seja necessariamente verdade, especialmente em uma economia deprimida, onde as regulações que exigem novo investimento acabam gerando empregos. Mesmo assim, há uma chance de que a ação da EPA, caso venha a entrar em vigor, doa pelo menos um pouco.

Todavia, as alegações de que os efeitos serão devastadores são não apenas erradas, mas inconsistentes com o que os conservadores alegam acreditar. Pergunte ao pessoal de direita como a economia americana lidará com a oferta limitada de matéria-prima, terras e outros recursos, e eles responderão com grande otimismo: a mágica do mercado nos levará a soluções. Mas eles perdem abruptamente sua fé na mágica do mercado quando alguém propõe limites à poluição –limites que seriam impostos de formas boas para o mercado, como o sistema de comércio de direitos de emissão. De repente, eles insistem que as empresas serão incapazes de se ajustar, que não há alternativas, exceto fazer tudo relacionado à energia exatamente como fazemos agora.

Isso não é realista e não é o que diz uma análise cuidadosa. Não é nem mesmo o que os estudos pagos pelos oponentes de uma ação em relação ao clima dizem. Como expliquei na semana passada, a Câmara de Comércio dos Estados Unidos encomendou recentemente um relatório visando mostrar os custos terríveis da política da EPA –um relatório utilizando as suposições menos favoráveis possíveis visando fazer os custos parecerem ainda maiores. Mesmo assim, os números saíram embaraçosamente pequenos. Não, reprimir o carvão não debilitará a economia americana.

Mas e quanto ao aspecto internacional? A esta altura, os Estados Unidos são responsáveis por apenas 17% das emissões de dióxido de carbono do mundo, enquanto a China é responsável por 27%– e o percentual da China está crescendo rapidamente. Logo, é verdade que se os Estados Unidos agirem sozinhos, eles não salvarão o planeta. Nós precisamos de cooperação internacional.

Isto é precisamente o motivo para precisarmos dessa nova política. Os Estados Unidos não podem esperar que outros países adotem ações duras contra as emissões enquanto se recusarem a fazer algo, de modo que as novas regras são necessárias para que as coisas avancem. E é razoavelmente certo que uma ação por parte dos Estados Unidos leve a uma ação correspondente na Europa e no Japão.

Resta então a China, e foram feitas muitas declarações cínicas nos últimos dias de que a China seguiria em frente e queimaria o carvão que não queimássemos. E certamente nós não queremos contar com o altruísmo chinês.

Mas não precisamos. A China é enormemente dependente do acesso aos mercados dos países avançados –muito do carvão que queima pode ser atribuído, direta ou indiretamente, às suas exportações– e ela sabe que colocaria isso em risco caso se recusasse a ter qualquer participação na proteção do planeta.

Mais especificamente, se e quando os países ricos agirem seriamente para limitar as emissões dos gases do efeito estufa, eles provavelmente começarão a impor "tarifas de carbono" sobre os bens importados de países que não adotarem medidas semelhantes. Essas tarifas seriam legais segundo as atuais regras de comércio –a Organização Mundial de Comércio provavelmente declararia que a limitação ao carbono é na prática um imposto ao consumidor, podendo ser aplicado sobre importados tanto quanto na produção doméstica. Além disso, as regras ambientais dão consideração especial à proteção ambiental. Assim, a China se veria com fortes incentivos para começar a limitar as emissões.

As novas políticas para o carbono são apenas o início, e não o fim, de um dominó que, assim que empurrado, iniciará uma reação em cadeia que levará, finalmente, a medidas globais para limitar a mudança climática. Nós temos certeza que funcionará? É claro que não. Mas é vital tentarmos.