Topo

Interesses, ideologia e clima

10/06/2014 06h02Atualizada em 14/04/2015 13h33

Há três coisas que sabemos sobre o aquecimento global causado pelo homem. Primeiro, as consequências serão terríveis se não agirmos rapidamente para limitar as emissões de carbono. Segundo, em termos puramente econômicos, a ação necessária não seria difícil de assimilar: os controles de emissões, se feitos corretamente, provavelmente desacelerariam o crescimento econômico, mas não muito. Terceiro, a política envolvida na ação é muito difícil.

Mas por que é tão difícil agir? É o poder dos interesses próprios?

Eu tenho analisado essa questão e cheguei a uma conclusão, um tanto surpreendente, que não se trata tanto de interesses próprios. Eles existem, é claro, e exercem um papel importante; o financiamento por parte dos interesses dos combustíveis fósseis teve um papel crucial na manutenção da ilusão de que a ciência climática é menos certa do que realmente é. Mas os interesses monetários envolvidos não são tão grandes quanto alguém poderia imaginar. O que torna a ação racional a respeito do clima tão difícil é outra coisa –uma mistura tóxica de ideologia e anti-intelectualismo.


Antes de falar disso, permita-me um aparte sobre o aspecto econômico.

Eu já apontei em colunas anteriores que até mesmo estudos parcialmente sérios sobre o impacto econômico da redução do carbono –incluindo um estudo recente pago pela antiambiental Câmara do Comércio dos Estados Unidos –apontou custos no máximo modestos. A experiência prática aponta na mesma direção. Nos anos 80, os conservadores alegavam que qualquer tentativa para limitar a chuva ácida teria efeitos econômicos devastadores; o sistema de limitação e comércio de dióxido de enxofre foi altamente bem-sucedido com um custo mínimo. Os Estados do Nordeste implantaram um sistema de limitação e comércio de emissões de carbono desde 2009, e as emissões caíram acentuadamente, enquanto suas economias cresceram mais do que no restante do país. O ambientalismo não é inimigo do crescimento econômico.

Mas a proteção do meio ambiente não imporia custos a alguns setores e regiões? Sim, imporia –mas não tanto quanto se imagina.

Considere, em particular, a muito alardeada "guerra contra o carvão". É verdade que tratar a sério o aquecimento global implica, acima de tudo, em reduzir (e eventualmente eliminar) a energia a carvão, o que prejudicaria as regiões do país que dependem dos empregos no setor carvoeiro. O que raramente é apontado é quão poucos desses empregos ainda existem.


No passado, a King Coal foi de fato uma grande empregadora: no final dos anos 70, existiam mais de 250 mil mineiros de carvão nos Estados Unidos. De lá para cá, entretanto, os empregos no setor carvoeiro caíram em dois terços, não por causa da redução da produção –ela cresceu substancialmente– mas porque grande parte do carvão atualmente vem de minas que exigem poucos operários. A esta altura, a mineração de carvão representa apenas 1/16 de 1 ponto percentual do total de empregos americanos; o fechamento de todo o setor eliminaria menos empregos do que os Estados Unidos perdiam por semana durante a Grande Recessão de 2007-2009.

Ou coloque desta forma: a guerra real contra o carvão, ou pelo menos contra os operários do setor carvoeiro, ocorreu uma geração atrás, e foi travada não pelos ambientalistas liberais, mas pelo próprio setor carvoeiro. E os operários perderam.

Os proprietários das minas de carvão e das usinas elétricas a carvão têm interesse financeiro em bloquear as políticas ambientais, mas mesmo esses interesses especiais não parecem tão grandes. Então, por que a oposição às políticas climáticas é tão intensa?

Bem, pense no aquecimento global do ponto de vista de alguém que cresceu levando Ayn Rand a sério, acreditando que a busca desimpedida do interesse próprio é sempre boa e que o governo é sempre o problema, nunca a solução. Então aparecem alguns cientistas que declaram que a busca irrestrita do interesse próprio destruirá o mundo, e que uma intervenção pelo governo é a única resposta. Não importa quão boa para o mercado seja a intervenção proposta; isso é uma contestação direta à visão de mundo libertária.

E a reação natural é de negação –negação raivosa. Leia ou assista qualquer debate sobre a política climática e o que chama a atenção é o veneno, a pura raiva, dos negadores.

O fato de as preocupações climáticas se apoiarem em um consenso científico tornar as coisas ainda piores, porque toca no anti-intelectualismo que sempre foi uma força poderosa na vida americana, principalmente na direita. Realmente não causa surpresa o fato de tantos políticos e especialistas de direita recorrerem rapidamente a teorias de conspiração, a acusações de que milhares de pesquisadores de todo o mundo estão em conluio em uma farsa gigantesca, cujo verdadeiro propósito é justificar a tomada de poder pelo grande governo. Afinal, os direitistas nunca gostaram e nem confiaram em cientistas para começar.

Assim, o verdadeiro obstáculo, ao nos confrontarmos com o aquecimento global, é a ideologia econômica reforçada pela hostilidade contra a ciência. De certa forma, isso facilita as coisas: na verdade, nós não precisamos forçar as pessoas a aceitarem grandes perdas monetárias. Mas temos que superar o orgulho e a ignorância intencional, o que de fato é difícil.